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Esquema de salvação nacional

 

Volta e meia, apesar dos meus esforços em contrário, sou assediado por pessoas mal informadas que me pedem conselhos e me consultam sobre problemas não só nacionais como internacionais.

Fico perplexo, pois nada fiz nem faço para este tipo de assédio. Sempre que posso e mesmo quando não devo, proclamo minha geral e total ignorância de tudo o que acontece neste mundo e no outro.

Leitor de Campinas, desesperado com a situação nacional, escreveu-me carta aflita e dramática, apelando para este maledicente escriba no sentido de ser encontrada uma solução para a entaladela pátria.

Não usou o moderno recurso do e-mail, não somente porque não tem meu endereço eletrônico, como acredita mais na letra sobre o tradicional papel. O correto seria responder do mesmo modo, mas tenho preguiça de escrever cartas, daí que minha correspondência é mínima e antiga, creio que há mais de 30 anos não escrevo uma carta.

Pensei em retirar-me à montanha, tal como Zaratustra, Maomé, Moisés e outros salvadores de nações aflitas e de povos oprimidos.

Mas a única coisa parecida com montanha que encontrei foi o morro dos Cabritos, aqui nos fundos da Lagoa onde moro há 30 anos, onde por sinal nunca vi um cabrito, mas a minha cozinheira já viu um disco voador. E ali mesmo, na montanha mais acessível que encontrei, bolei este definitivo esquema de salvação nacional:

Precisamos urgentemente estruturar todos os escalões disponíveis, e, para isso, devemos criar um aparelho destinado à contraofensiva que dará combate aos problemas que nos angustiam.

Há que se criar, com a urgência possível, os seguintes órgãos básicos, independentes de aprovação pelo congresso e pela opinião pública:

1) Uma cúpula
2) Teóricos
3) Analistas
4) Conspiradores
5) Supositórios

A cúpula, como o nome indica, terá a função de cupular, ou seja, de tomar e aprovar as medidas de última instância.

Os teóricos farão teorias, os analistas analisarão e os conspiradores simplesmente conspirarão.Os supositórios farão suposições.Todos esses elementos farão parte de um Comitê Central, cuja finalidade será centralizar.

Dispondo dessa estrutura básica, há que se apelar para a arraia-miúda, para aqueles que, sem condições de teorizar, analisar, conspirar, ou levantar suposições, serão empregados em tarefas menos nobres, embora mais práticas.

São eles:
1)Os ativistas
2)Os fomentadores
3)Os agitadores
4)E  os PPTO

Os ativistas ativarão as atividades, substituindo a militância para a qual Dona Dilma apelou quando teve de disputar o segundo turno.

Os fomentadores fomentarão, não mais a agricultura, para a qual já existe um tradicional fomento que faz parte de todos os programas partidários. Fomentarão simplesmente a fome, a própria e a dos outros, criando condições objetivas previstas nos manuais de guerrilha de todos os tempos.

Os agitadores, além de agitarem os frascos de remédio antes de usar, agitarão. E os PPTO (Pau para Toda Obra) farão o resto.

Este esquema, depois de feito e passado a limpo, surpreendeu o seu próprio autor. Pois se trata de um esquema perfeito que tanto pode ser usado para a direita como para a esquerda, para o centro ou para os lados. Pode principalmente nunca ser usado.

Antigamente havia a Sorbonne, na Praia Vermelha, que usava planilhas parecidas e que deram certo, conseguiram derrubar um governo e instaurar um regime de salvação nacional que durou 21 anos, embora nada tenha salvado.

A diferença é que o meu esquema é grátis, amador, e o da Sorbonne foi pago pelos cofres públicos, e, por conseguinte, profissional, com direito à reserva remunerada e à medalha do pacificador.

Acredito que o leitor de Campinas fique satisfeito com mais este esforço de minha parte. Os tempos estão duros, apesar do Milagre Brasileiro 1, que acabou em 1985, e do Milagre Brasileiro 2 que estamos atravessando, na base do nunca houve neste país tanto e tamanho milagre.

Chamo especial atenção para o primeiro item aí de cima. Não confundir o cupular, de cúpula, com copular, da cópula a que estamos habituados.

Folha de São Paulo, 12/11/2010