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Guerra retórica

 

No pronunciamento do senador petista Lindbergh Faria para rebater o discurso do senador Aécio Neves na quarta-feira encontra-se uma pista muito nítida do que será a disputa retórica nas próximas campanhas eleitorais, nas estaduais, mas, sobretudo, na de presidente da República. O petista chegou ao plenário em meio ao discurso do tucano, mas tinha assessores designados para contar quantas vezes Aécio pronunciara palavras-símbolo como “povo”, “gente”, “miséria”.

Não encontrando nenhuma vez, Lindbergh sentiu-se em condições de determinar, com um sorriso irônico, que o provável candidato oposicionista não estava montando “um discurso competitivo” contra o PT. Ontem, o rescaldo do debate por parte da ampla rede social que os petistas montaram tentou restringir a repercussão à suposta vitória de Lindbergh sobre Aécio.

Lembram-se do servidor da Secretaria Geral da Presidência, Ricardo Augusto Poppi Martins, Coordenador de Novas Mídias e outras Linguagens de Participação, que participou da reunião na embaixada de Cuba onde foram armadas as manifestações contra a blogueira cubana Yoani Sanchez e depois foi para Havana participar de um seminário sobre “ciberguerra”? Pois deve ser essa a sua função, coordenar as reações nas novas mídias, para tentar comandar o noticiário. Reclamar que a palavra “povo” não foi pronunciada no discurso oposicionista é tentar ressaltar uma característica supostamente elitista dos tucanos, o adversário que o PT identifica como aquele a ser batido desde já. Nesse episódio, a resposta foi relativamente fácil e não foi possível aos petistas alardear uma vitória política, a não ser nos blogs a serviço do governo.

Mesmo assim, se trata de uma “vitória” inócua, pois esses blogs só alcançam mesmo os já convertidos, pela própria característica de serem chapa-branca. Afinal, no plenário do Senado, ainda é possível tratar de temas importantes sem fazer proselitismo ou demagogia, e aquele plenário deveria ser usado para um amplo debate sobre os temas nacionais. Falar sobre o perigo da inflação, que corrói mais depressa a renda dos menos favorecidos, é falar de “povo”, de “gente”.

Mas a oposição, se quiser ter alguma chance nos embates públicos na campanha presidencial, terá que usar uma linguagem mais popular para levar sua mensagem ao cidadão que decide a eleição. A democracia de massas exige do político uma comunicação mais direta, e nisso Lula sempre foi um craque, mesmo quando derrotado por Collor ou por Fernando Henrique.

Em 1989, ele foi vencido com suas próprias armas por um político populista, que usou e abusou da mistificação e de golpes baixos para superar aquele líder operário que começava a surgir na cena nacional. Mesmo assim, Lula ainda foi para o segundo turno e quase ganhou a eleição. Contra o PSDB, tanto em 1994 quanto em 1998, o PT foi amplamente derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso que trazia para contrabalançar a demagogia lulista uma realidade que fez bem ao país e, sobretudo, ao bolso dos mais necessitados: o Plano Real, que acabou com a hiperinflação.

Na eleição de 2002, Lula venceu por que a economia ia mal no segundo governo tucano e o candidato petista vendeu ilusões ao eleitor que não teve condições de entregar. Eleito, manteve pelos primeiros anos não apenas a política econômica tucana, mas uma equipe toda comandada por economistas e burocratas ligados ao PSDB. Até que o ministro da Fazenda Antonio Palocci caísse, em março de 2006, sua equipe era formada por gente como Henrique Meirelles no Banco Central (que ficou até o final do segundo governo Lula), e vários diretores do BC anterior, Murilo Portugal como segundo homem da Fazenda, Marcos Lisboa, Joaquim Levy. Ironicamente, boa parte, portanto, desses 10 anos petistas no poder teria por justiça que ser dividida com o PSDB e seus “neoliberais”.

Cabe à oposição encontrar a melhor linguagem para se contrapor a um governo que tem uma ampla máquina de poder montada e uma tradição de luta política que não tem escrúpulos, nem políticos e muito menos retóricos, para manter o poder conquistado. A campanha contra as privatizações é apenas um exemplo óbvio de manipulação de sentimentos nacionalistas do cidadão comum, mesmo quando os benefícios são evidentes e o próprio PT privatiza quando precisa. A presidente Dilma Rousseff não tem o dom da palavra fácil, mas terá Lula em seu palanque. Os tucanos precisarão encontrar sua linguagem de aproximação com o dia a dia do eleitor.

O Globo, 22/2/2013