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Início de caso

 

Tudo mudou quando, na manhã de um domingo, olhando da janela do quarto do hotel para a praia, vi uma jovem que acenava para mim, querendo falar comigo. Nunca a tinha visto, em Cabo Frio nem em lugar nenhum. Mas era uma jovem bonita, de cabelos lisos, usando uma calça jeans esfarrapada, uma blusa verde mal abotoada, presa na cintura por um laço mal dado.

Desci e, antes de seguir para o café da manhã, atravessei a pista em frente ao hotel e me dirigi a ela. Perguntei se desejava falar comigo. Disse que sim. Olhei-a com atenção, de perto era mais bonita do que de longe.

Convidei-a para tomar o café da manhã comigo. Fomos em silêncio para o restaurante do hotel, que estava vazio, a manhã ia alta e a maioria dos hóspedes havia se mandado para as praias. Servimo-nos de um bufê remexido, as frutas estavam passadas, o café frio, sobrara um pouco de cajuada com aspecto cansado. Mas não estávamos ali para um café da manhã suntuoso. Seria apenas o pretexto para saber o que a jovem queria de mim. Ela entrou no assunto:

– Você conhece o Seabra?

– Acho que conheço.

– Há muito tempo?

– Bem, sou novo aqui, cheguei há uma semana, ouvi histórias.

Pensei rápido. A jovem podia ser uma pista inesperada para o meu trabalho.

– Lugar pequeno tem histórias. Nasci aqui e ouvi muitas lendas. Dizem que o fantasma de Américo Vespúcio aparece em noite de lua cheia, na praia das Conchas.

– Por falar em fantasmas, lendas, esse tal Seabra, o que contam dele e o que ele conta de si mesmo...

– Não o leve a mal, ele é assim mesmo. Fez muitas trapalhadas, no fundo é um bom sujeito.

– Dizem que está decadente.

– É. Já ouvi também. Parece que não é mais o mesmo.

– Você o conhece bem?

– Conheço. Ele é meu pai.

Folha de S. Paulo, 31/12/2013

Folha de S. Paulo, 31/12/2013