Volto do exterior. Encontro a Folha de S.Paulo de roupa e alma novas. Obriga a habituar os olhos e a ver o futuro no e do jornal. É uma desafiadora ousadia. Nunca vacilei no meu dogma de que tudo acabará, menos o jornal e o livro, um e outro como instrumento de fugir da solidão, de conviver com pessoas e fatos.
Comecei a escrever aqui em 1983, logo após entrar para a Academia Brasileira de Letras. Parei para ser vice e presidente. Em 1991, na Cidade do México, recebo um telefonema. Era Octavio Frias de Oliveira. Convidava-me para assumir esta coluna às sextas-feiras. Não faltei uma só vez, com paixão. Nunca utilizei este espaço para tratar de assuntos pessoais, defesa ou ataque. Houve um tempo em que se discutia ser possível fazer literatura no jornalismo. Sim. Basta um bom texto. Mas em coluna é sempre discutível.
O colunista é o historiador do cotidiano. O texto deve ser leve, os adjetivos, quês e porque são inimigos e só devem entrar em caso de absoluta necessidade. É preciso segurar o leitor com o tema, nunca afastado do dia a dia, e brincar com as palavras, para enganar o que é sério com capa de burlesco ou cômico, ferino ou inútil. E haja tantos gêneros de crônicas!
Destas colunas, já amealhei sete livros publicados, começando por 'Sexta-Feira, Folha' (1994), no total mais de 2.300 páginas. Assisti a várias reformas do jornal, como leitor e escritor. Sempre para melhor, mas nenhuma tão ousada quanto a presente. Desde a fusão das equipes da mídia on-line até à aspiração a um texto de qualidade para servir a uma 'informação de qualidade', em qualquer plataforma, como escreveu Otavio Frias Filho.
Mas, no testemunho destes anos, uma coisa nunca mudou com as mudanças: os valores do pluralismo, o dever com o leitor e com a notícia, o respeito ao direito de dizer e a resistência a patrulhas organizadas, hoje fáceis no mundo da internet, querendo cabeças.
O conceito de rede, a partícula fundamental do novo mundo da comunicação, trouxe os 'smartphones', 'tablets', torpedos, e-mail, Twitter, YouTube, comunidades virtuais; tudo isso seria o antijornal, o sem papel, e provoca o desafio de domesticar os meios de modo a que, integrados, sejam o jornal do futuro.
Polanco, publisher de El País, é cético: 'Em dez anos desaparecerá o "El País' atual e surgirá um outro tipo de jornal', fugindo às imposições. E uma que ele mesmo cita é do governo Aznar, exigindo 'apenas isto' (cito): 'Que Eduardo Tecglen deixasse de escrever no El País.
A Folha ousa adiantar-se e faz um jornal de como navegar com os olhos, sem mouse, integrando meio, forma e conteúdo. Haja coragem e criatividade.
Folha de S. Paulo, 28/5/2010