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O tempo dos fármacos

 

Fiquei alarmado quando perguntaram a meu pai se ele era rico ou pobre. O pai respondeu: "Sou remediado". Achei que ele estava mentindo, pois nunca o vira tomar qualquer remédio. Quando tinha dor de cabeça, botava na testa rodelas de batata molhadas em vinagre, amarrava-as com um lenço de seda, ficava parecido com um condenado à cadeira elétrica, cheio de eletrodos mortais.


Acredito que a expressão tenha saído de moda, mas nunca houve tantos remediados, ou seja, gente que toma muitos remédios. Para emagrecer, para engordar, para baixar ou para subir a pressão arterial, para agüentar a barra de todos os dias, para dormir, para trabalhar, há remédio até para evitar a queda de cabelos e angústias existenciais.


Conversando com um médico que acaba de fazer estágio num grande laboratório norte-americano, ele se declarou preocupado. Qualquer remédio (ele não falou "remédio", falou "fármaco"), antes de ser lançado no mercado, é testado primeiramente em ratos ou em animais afins, depois num universo de 2.500 pessoas.


Os resultados são avaliados, o fármaco recebe aprovação do departamento especializado e é consumido, em alguns casos, por 10 ou 20 milhões de pessoas em todo o mundo.


A desproporção entre as cobaias (humanas ou animais) e o mercado consumidor é enorme. É bem verdade que, entre o fármaco e o paciente, há a intermediação do médico, que geralmente toma conhecimento do novo produto pelas bulas e pelos argumentos dos laboratórios, que mantêm onipresente rede de propagandistas de terno e gravata que invadem os consultórios com suas pastas e suas amostras grátis.


Por sua vez, cada médico testa o novo fármaco em seus clientes e faz a sua própria avaliação. Volta e meia, um desses fármacos é retirado de circulação pelos malefícios que causa.


Não é para menos. Uma coisa chamada "fármaco" não pode fazer bem a ninguém.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 12/01/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 12/01/2005