O fim de 2009 foi marcado pela tragédia dos deslizamentos e pela lembrança inusitada das agulhas introduzidas no corpo de crianças, numa prática religiosa que remonta aos festins de magia negra que o Diabo fazia no princípio do mundo. A Bíblia está cheia desses episódios. O mais célebre deles é o da vara de porcos endemoniados que foram jogados no precipício, com sua carne impura para judeus e árabes.
Esse é um fanatismo primitivo ligado à concepção satânica de que esse “espírito imundo” teria poderes tão violentos que podia mesmo tentar o próprio Jesus, oferecendo-lhe a Terra inteira, conquanto que a ele fosse entregue a alma dos homens.
Mas o que está atualmente me impressionando é o fanatismo massificado coletivo, que faz com que, pouco a pouco, cresçam na humanidade a intolerância e a crueldade. O sonho de uma convivência pacífica entre as diversas religiões não caminhou: está restrita a guetos intelectuais de pensadores e 'scholars' sem a esperança de que possam ser ouvidos.
Por outro lado, a Al-Qaeda conseguiu internacionalizar-se e recruta, cada vez mais, jovens para sua causa. A guerra de Bush resultou no recrudescimento do terrorismo e da própria Al-Qaeda, que ressurge agora no domínio do Iêmen e se espalha por Argélia, Nigéria, Mauritânia, Mali, Chade, Saara Ocidental, Tunísia, Somália. Isso sem falar nos focos do Afeganistão, do Paquistão e do Iraque e na infindável motivação que permeia o movimento palestino.
Dissemina-se assim o terror, e a ideologia do fanatismo religioso passa a substituir a ideologia do fanatismo político.
Essas meditações me ocorrem quando vejo a declaração desse nigeriano Omar Farouk, que quis explodir o avião da Northwest Airlines que voava para Detroit na noite de 25 de dezembro.
Preso, ele disse, frustrado, às autoridades que estava desolado porque não pôde “expulsar todos os infiéis” e realizar o seu desejo de “matar os empregados em embaixadas e outros organismos internacionais. Ódio a todos”.
Isso que se faz sob a invocação de Deus é de um primitivismo que une animais e Homo sapiens.
Assim, o fanatismo pode ser o elemento desintegrador da humanidade e das sociedades, com a ideia de que Deus condenou uns à salvação e outros à perdição. O caminho escolhido é o poder teocrático, e obrigar pela força a acreditar em sua versão de Deus.
Podemos todos estar condenados, sem saber, à perdição, incapazes de exercer uma opção que não é de Deus, e sim dos homens.
E o Diabo não terá mais em que enterrar agulhas.
Folha de S. Paulo, 8/1/2010