Gosto de citar um personagem de Dickens que condensa grande parte da sabedoria política de todos os tempos, modos e lugares. Trata-se de Pickwick, espécie de moralista quixotesco que, sem saber, muitas vezes parecia um cínico em disponibilidade.
Tinha discípulos que eram quase apóstolos, nada faziam sem consultar o mestre. Um dia, perguntaram-lhe o que deveriam fazer quando encontrassem uma multidão gritando uma causa - qualquer causa. Pickwick respondeu: 'Gritem com a multidão'.
Um dos seus seguidores levantou o problema:
'E se houver duas multidões, uma gritando a favor, outra gritando contra?'. 'Gritem com aquela que estiver gritando mais forte', ensinou o mestre.
O conselho é seguido religiosamente por todos os cidadãos que de alguma forma participam da vida política, quer na condição de aspirantes ao poder, quer na sofrida carne dos eleitores.Daí a violência das campanhas para os cargos do Executivo ou do Legislativo.
Praticamente todas as regras do convívio social são abolidas, pessoas civilizadas fazem acusações sórdidas, nada se respeita e, quando não há fatos concretos, recorrem a insinuações sobre o presente, o passado e o futuro dos adversários.
É necessário gritar e gritar mais forte para impressionar a plebe, que muitas vezes não tem opinião nenhuma - como os discípulos de Pickwick -, mas que acaba optando pelo que grita mais alto.
A atual campanha, principalmente a do segundo turno, está sendo marcada pela agressividade. Dilma e Serra são pessoas educadas, habituadas ao respeito mútuo. Os seguidores de um e de outra, em tese, são também pessoas de comportamento normal. Contudo, a paixão e o interesse pessoal estão dando à campanha um gosto próximo ao do sangue.