UM DOS PROBLEMAS mais discutidos atualmente, que afetará o futuro da humanidade, é o da emigração maciça. Está ao lado de doenças desconhecidas, perigo nuclear, narcotráfico, vetores, conflitos e guerras regionais.
Ela é gerada por inúmeros fatores, que vão das motivações políticas à pobreza endêmica, e sempre pela esperança de uma nova vida.
Nesta última semana, o mundo assistiu, em diversas partes, a conflitos que podem mostrar o que nos aguarda. Julgávamos que a face mais visível dessa tragédia estava localizada em países ricos, pressionados por imigrantes clandestinos em busca de trabalho. Agora, na África do Sul, o país marcado pela mancha do apartheid, surgem as cenas mais dramáticas da violência e da barbaridade com que estão sendo expulsos e mortos os próprios negros de outras etnias e fugitivos de países como Zimbábue, Maláui e Moçambique. Justamente o Soweto, bairro símbolo da luta contra a segregação racial na África do Sul, verdadeiro campo de concentração onde os negros ficaram isolados por décadas, agora aparece como local onde se mata a pau e se trucidam imigrantes tangidos pela miséria e que são vistos como competidores no mercado de trabalho -a taxa de desemprego no país chega a 40%.
Na Itália, Berlusconi, cumprindo uma promessa de campanha, decreta que todo imigrante julgado ilegal é criminoso, podendo ser condenado a quatro anos de prisão, e expulsa imediatamente os ciganos e romenos. Por outro lado, a nova legislação restringe o direito ao reagrupamento familiar, à concessão de nacionalidade aos cônjuges e à circulação de asilados.
Sarkozy foi o precursor desses métodos e deflagrou uma investida contra os imigrantes, muitos deles vítimas das políticas coloniais da França, como argelinos, marroquinos e todos do Magreb. Na Espanha, as estatísticas dessa população agonizante são terríveis. Estima-se que 20% dos que tentam chegar, em precárias embarcações, às ilhas Canárias morrem na tentativa. Nos Estados Unidos, os hispanos, principalmente do México e do Caribe, vivem sob o manto do medo e da violência com que são tratados. Isso sem falar nos mais sofridos de todos, os palestinos, cuja diáspora chega a contingentes tão grandes que ameaça a própria sobrevivência nacional do Líbano e da Jordânia.
Se, no passado, as perseguições eram a raças, como judeus, curdos, ciganos, hoje são às pessoas humanas. É a desumanização do imigrante, que passou a ser um criminoso em vez de uma pessoa, tocado pela infelicidade ou, às vezes, pela fome. Voltamos à lei da selva: "Cada macaco no seu galho".
Folha de S. Paulo (SP) 30/5/2008