Não podia deixar de registrar o lançamento de "Ary, um brasileiro", CD gravado por ocasião do show homônimo em comemoração ao primeiro centenário de nascimento do autor de "Camisa amarela".
Ary foi um personagem oceânico, de múltiplas facetas pessoais e profissionais. Dele ficaram duas marcas: o compositor genial e o homem que muitos consideram até hoje um rabugento. Mesmo os que não conviveram com ele repetem o lugar comum, o mesmo acontecendo com outro rabugento de gênio, Machado de Assis.
Num caso como no outro, os contemporâneos e os que vieram depois não tiveram a acuidade mental (posso dizer, o desconfiômetro básico que forma a inteligência do animal homem) para perceberem o grau de malícia, gozação e ironia, com boa dose suplementar de compaixão pela burrice alheia, que formaram a decantada rabugice de Machado e Ary. Seria longo dar exemplos.
Citarei dois casos ao acaso: "No meu tempo já existiam velhos, mas poucos" (Machado). "Exibiu-me um sorriso de ironia e desapareceu no turbilhão da galeria" (Ary). Mas voltemos ao lançamento do CD e do DVD gravados durante o show que teve roteiro do Sérgio Cabral. Posso discordar de um e outro arranjo, mas Ary é um clássico, como os grandes nomes da música internacional: uma sinfonia de Beethoven regida por Toscanini soa diferente da mesma sinfonia regida por, digamos, Furtwängler ou Herbert von Karajan. Mas são Beethoven acima de tudo.
Com todo o meu respeito pela obra barrosiana de Tom Jobim, considero Ary, de longe, o maior nome da música popular brasileira. Como bem acentuou o crítico Álvaro Costa e Silva, no JB da semana passada, "Aquarela do Brasil" não é apenas a maior música brasileira de todos os tempos (resultado de uma enquete promovida pela Rede Globo) mas continua sendo a mais gravada e regravada em todo o mundo. E é a cara mais alegre e competente do Brasil.
Folha de São Paulo (São Paulo) 02/03/2006
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