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Bocas de fumo

 

Durante os anos da ditadura, e depois de seis prisões em dependências militares, continuei trabalhando na imprensa, mas sem poder escrever sobre os temas que haviam me levado para as diversas celas que frequentei naqueles anos.

A alternativa, para não morrer de fome, foi adaptar clássicos da literatura universal para o público infantojuvenil (mais de 40) e cobrir o setor de polícia para uma revista de amenidades.

Meus personagens eram mais ou menos divertidos: Escadinha, Cara de Cavalo, Lúcio Flávio, o Esquartejador de São Paulo (Chico Picadinho), Mariel Mariscot, o caso Lou (que chegou a virar livro e história em quadrinhos), Doca Street e a Pantera de Minas, Aída Cúri, Cláudia Lessin Rodrigues e Michel Frank, Dana de Teffé -a lista é grande e deu para o leite das crianças.

Uns pelos outros, a mídia daqueles tempos se cevava nesses casos que ocupavam a maior parte do noticiário. Se um jornal publicasse a foto de um ministro do Supremo na primeira página, ou seria empastelado ou ficava sem leitores. Evidente que a mídia continua a cobrir crimes, mas o filé-mignon passou a ser outro.

Independentemente do mensalão e do Cachoeira, o baixo clero da política e da economia nada fica a dever aos grandes crimes acima lembrados. Agora mesmo estourou mais um caso que deixa em péssima situação toda a cúpula do poder, vale dizer, do PT e de seus aliados. Até que ponto a tese do "domínio do fato" não compromete a própria presidente Dilma e seu guru preferencial, o ex-presidente Lula?

O eixo do noticiário deixou de ser as drogas, os traficantes, as milícias assassinas de São Paulo. O Palácio do Planalto, com seus anexos nos Estados, está aos poucos substituindo as bocas de fumo onde se instalava o crime organizado.

Folha de S. Paulo, 27/11/2012