Finalmente, o clima eleitoral esquentou. Esquentou até demais. A entrada de Marina botou fogo numa disputa que ameaçava a tepidez denunciada pelo anjo de Laodiceia, um dos momentos mais duros do Apocalipse: "Conheço tuas obras e sei que não és frio nem quente. Mas, porque és tépido, nem frio nem quente, começo a vomitar-te de minha boca". Em latim: "evomere ex ore meo".
Mesmo assim, a disputa nem chega a ser política, mas quase esportiva, o eterno flá-flu, o maniqueísmo em sua forma radical. Dilma e Marina baixaram o nível da campanha. Não chegam a discutir, pontualmente, um projeto de governo, mas as respectivas biografias políticas de cada uma.
No imenso flá-flu eleitoral, Dilma, a ex-guerrilheira que lutou contra o regime militar, transformou-se ela própria numa espécie de direita na medida em que governou e ameaça governar em defesa de um statu quo que ela mesmo e o PT criaram nos últimos oito anos.
Sua adversária promete austeridade, defesa ambiental e moral. Até certo ponto, é um enigma que dificilmente será decifrado. Desconhece-se sua aptidão executiva. Tudo o que fez e faz é a repetição dos bons modos prometidos até pelos candidatos mais obscuros a vereador de municípios igualmente obscuros.
Entre as duas, meu coração e meu voto não balançam.
A solução seria votar em Aécio Neves, mas estou dispensado desse dever cívico. Mesmo que fosse obrigado, não votaria em ninguém. Já disse e repeti que não creio na democracia representativa.
Em 90% dos casos de corrupção, os representantes tomam compromissos que envolvem desde dinheiro para o "caixa dos partidos" até tempo de televisão. Já declarei, na tribuna da Academia Brasileira de Letras, que sou um anarquista triste, humilde e inofensivo.