Há 2.600 anos , os gregos tentaram uma forma de auto-governo. Os cidadãos escolheriam os governantes e seriam responsáveis pelos rumos de sua cidade. As reformas de Sólon são a matriz da experiência a que se deu o nome de democracia. Depois ela desapareceu. Teve séculos de sombra. Ressurgiu algumas vezes até que se impôs definitivamente como a forma avançada de concluir-se a história.
Diz-se, hoje, e Fukuyama apossou-se da descoberta, que a história do mundo ocidental terminou, com duas vertentes imutáveis: a democracia e a economia liberal de mercado. Tudo o que ocorrer daqui para a frente não modificará a essência desses dois rumos. O último estertor contrário acabou-se com a queda do Muro de Berlim, o fim do comunismo.
Cá com meus botões, acho que não é bem assim. Acho que a democracia resolveu o problema da liberdade do governo nascido da vontade popular, mas não está ainda claro que necessariamente tenha sido o caminho do bem-estar do homem, da justiça, do progresso material e espiritual. Ela é o caminho incontrastável, como dizia Churchill, porque sendo pior não existe melhor, mas ainda temos muito chão a percorrer.
Uma coisa é a democracia formal, aquela que é fácil de construir através de processos eleitorais, outra é a democracia capaz de assegurar o bem-estar social, a igualdade de oportunidades, o exercício pleno da cidadania.
Mesmo a sua face eleitoral e as instituições dela decorrentes vivem em crise permanente. Tome-se o nosso exemplo atual, aqui no Brasil. Estaria completo o processo democrático que fosse vulnerável às coisas a que estamos assistindo? Alguma coisa não está certa. A meu ver, chegamos ao fim de um ciclo, de uma etapa que se esgotou, ou, se usarmos a palavra mais forte, apodreceu. A resistência a construir um novo modelo com a reforma política é um dos pontos incompreensíveis do comportamento da classe política, sem a cobrança vigorosa da mídia.
E, por falar nesta, que adquiriu um poder sem controle, nesse novo tempo tem, juntamente com a sociedade civil, com as Ongs, com as igrejas, de defender soluções e propor caminhos, e não descansar na cômoda posição da denúncia, da crítica e da condenação. Afinal, todos fazemos parte de um todo: a sociedade democrática, pluralista, aberta, complexa. Todos condenados a vivermos juntos.
Enquanto a democracia não realizar esses ideais permanentes de liberdade e justiça social estaremos sujeitos a inconformações e a raivosas revoltas contra seus valores. Não é por outro motivo que os índices de aprovação da democracia na América Latina são cada vez menores. Esses índices parecem ter uma relação direta com os níveis de pobreza e de desigualdade, os maiores do mundo.
E o reflexo desse quadro se projeta no mau funcionamento das instituições -partidos, Congresso- e na conduta dos atores do processo político.
A reforma política é, assim, a mais necessária das providências a tomar. Não bastam as depurações periódicas. O sistema leva, numa combinação trágica, à desigualdade, à pobreza, à corrupção e ao "lixão onde come o gato", como se diz no Nordeste.
A grande pizza que está acontecendo e contra a qual ninguém protesta é o abafa das mudanças no processo eleitoral para diminuir as despesas de campanha e acabar com a boca rica do caixa dois.
Folha de São Paulo (São Paulo) 09/09/2005