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As bruxas e a chuva

 

Os vilões se sucedem nesta temporada de caça às bruxas que a ilibada sociedade brasileira está promovendo em defesa dos sadios princípios que a regem e guiam. Nada tenho contra. Existem bruxas, são vilões mesmo, traíram a confiança dos eleitores, meteram dinheiro vil no bolso e nos paraísos fiscais (ouvi dizer que o Severino tem a mania de guardar dinheiro no colchão, que é lugar mais quente e seguro).


O estranho nesta cruzada redentora dos bons costumes é que o Grande Vilão, a Bruxa Rainha, responsável pelos filhotes de bruxas e vilões que comparecem no indignado noticiário da mídia, esteja não apenas preservada, mas com prazo de validade prorrogado.


No próximo dia 30 deste mês, expira a citada validade para que as regras e os ritos das campanhas eleitorais sejam mudadas. Vale dizer: elas continuarão suntuosas, caríssimas, valendo tudo, desde a compra de apoios em grotões a shows promovidos com equipamentos de última geração, vídeos caríssimos, produzidos por agências premiadas internacionalmente.


Nas primeiras campanhas eleitorais após o Estado Novo, um candidato quase foi impugnado por que levou para o palanque a dupla Alvarenga & Ranchinho, que, além de nada cobrar, tinha um visual pobre: dois chapéus de palha esfiapada e dois violões cansados de guerra e de shows pelo interior do Brasil.


Antes que me perca, mais perdido do que já estou, por trás das campanhas suntuosas há o verdadeiro, o Grande Vilão, a Grande Bruxa que enfeitiça a vida política nacional: o poder econômico em si, que não precisa ser fulanizado para existir e atuar. É como os verbos impessoais e intransitivos, o verbo chover, por exemplo. Não se diz eu chovo, tu choves, ele chove. O poder econômico simplesmente chove.


Prorrogado o seu prazo de validade nas campanhas eleitorais e no processo político nacional, de nada adiantará caçar e queimar bruxas




Folha de São Paulo (São Paulo) 08/09/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 08/09/2005