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O seis e o meia-dúzia

 

Pegaram-me desprevenido: li nos jornais, em letras enormes, que o Brasil finalmente chegara ao seu futuro, via referendo de ontem. Textualmente: "Brasil decide o seu futuro". Qualquer que seja o resultado da consulta popular, estamos afinal no futuro que sempre nos prometeram. Pensava que era mais difícil, ou, ao menos, mais problemático.


Pensei em escrever a crônica de hoje mais tarde, com o resultado do referendo já anunciado. A Redação deu o prazo para o fechamento, 20 horas. Se fosse uma final de Copa do Mundo eu esperava, embora sabendo que meu futuro e o futuro do Brasil não dependiam do resultado. Dentro de minha habitual ignorância, eu não sabia que o furo era mais em cima. Do referendo dependerá não apenas a minha felicidade pessoal, mas de todo o povo do bem, no qual, aliás, não me incluo.


Nos meus tantos anos de jornalismo, não me lembro de ter visto a mídia embarcar numa canoa tão furada. Levou a sério uma tolice patrocinada pelo governo, sabe-se agora que o presidente da República quis incluir, na consulta de ontem, pergunta sobre a aprovação de si mesmo.


Espero que o futuro tenha desdobramentos mais úteis. Por exemplo: decidir por referendo se devemos usar o meia-dúzia ou o seis. Meu número no CPOR (6660) era meia meia meia zero. Nunca me senti tão metade de um zero.


Insistindo num caso pessoal. Sugiro um referendo para decidir se a rua Voluntários da Pátria, aqui no Rio, tenha mão dupla para facilitar meu itinerário de todos os dias. Gostaria de saber o que um eleitor do Alto Purus, depois de andar dez horas na ida à sua seção eleitoral, e dez na volta (como aconteceu ontem), tem contra ou a favor do lastimável trânsito naquela artéria que liga a Lagoa a Botafogo.


Pode parecer uma questão de somenos -nunca usei esta palavra mas já que entramos no futuro, tudo está valendo, principalmente os somenos da vida.




Folha de São Paulo (São Paulo) 24/10/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 24/10/2005