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O médico e o monstro

 

Poderia parecer uma vingança pessoal e política. Foi mais do que isso. Assisti pela TV aos discursos de Babá e Luciana Genro pouco antes da votação que cassaria o mandato de José Dirceu. No tom de voz de ambos havia, sim, alguma coisa de pessoal, nem mesmo o discurso principal da noite de quarta-feira, que foi o do interessado, teve elementos para transcender o fato político e atingir o território mágico da emoção.


Se Dirceu é ou não é, junto com Lula, o responsável principal nos escândalos do PT e do governo, torna-se um episódio quase irrelevante na crise política e moral que atravessamos. Os quase 300 deputados que votaram "sim" tinham lá suas razões -pequenas, médias ou grandes- para cassá-lo, sendo a maior dessas razões a mais óbvia: se não cassassem Dirceu, todos seriam cassados pela nação indignada.


Babá e Luciana, que foram dos últimos a ocupar a tribuna, praticamente passaram ao largo das acusações contra Dirceu na colossal lambança feita pelo PT e pelo governo. Foram lá atrás, descobriram a nascente daquele filete de água que foi crescendo, crescendo, até chegar ao imenso caudal que arrastou o entulho do qual ainda não nos livramos.


Mal chegado ao poder, com Dirceu no absoluto comando executivo do partido, o PT tomou aquela poção misteriosa que transforma um médico em monstro. O pequenino grupo que denunciou a transformação ou a traição foi truculentamente expurgado -nos moldes de todos os partidos totalitários que conhecemos.


Foi ali, naquilo que parecia uma pequena crise no seio de um grande partido, que tudo começou. Os Delúbios vieram depois. Pode ser que durante algum tempo ainda se discuta a culpabilidade de Dirceu nos atuais escândalos. A verdade é que ele deixou suas impressões digitais na maçaneta que abriu o cofre saqueado por tantos, inclusive por gente que nem é do PT.




Folha de São Paulo (São Paulo) 03/12/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 03/12/2005