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Opinião: Vieira e a Carta de Veneza

 

Em Paris surge uma controvérsia sobre conservação e restauração. Discute-se a Carta de Veneza, a bíblia do Iphan, feita com ajuda de Rodrigo Mello Franco de Andrade. Aqui ela tem uma interpretação que vai se consolidando em dogma, como se não tivesse uma visão de maleabilidade, sem fugir ao seu objetivo maior que é salvaguardar o patrimônio artístico e histórico.


Ninguém mais do que eu tem defendido o Iphan e pugnado pela necessidade de dar-lhe estrutura, recursos e prestígio. A falta de pessoal tem levado o Iphan a perder substância e submeter-se a críticas. No caso da Marina da Glória, parece que há uma luta entre cultura e esporte. Eu prefiro navegar com o Patrimônio.


Mas tenho um exemplo de outro tipo na própria carne. Em 1999 aventurei-me a tentar restaurar a Igreja de Nossa Senhora das Mercês, no Maranhão, onde pregou o Padre Vieira e que fazia parte integrante do convento que passou na mão de carmelitas, mercedários, jesuítas, terminando como quartel de polícia e em ruína. Consegui, com o governador Cafeteira como parceiro, restaurar o Convento.


Há sete anos (1999) garimpei recursos particulares para restaurar a Igreja das Mercês ou transformá-la num memorial a Vieira, que em 2008 faz 400 anos de nascimento.


O dinheiro acabou nos projetos e na pesquisa arqueológica que foi feita por grandes nomes do setor. De nada adiantou. Nem a Igreja nem Vieira vão ver coisa alguma. O papa João Paulo II, quando passou pelo Maranhão, atendendo a uma solicitação que fiz à Cúria, colocou no seu sermão uma passagem sobre a evangelização da Amazônia e pediu o reerguimento da Igreja das Mercês, fazendo o elogio da aventura dos mercedários.




Afonso Arinos escreveu obra que ele dizia ser medíocre, mas não é, Desenvolvimento da Civilização Material no Brasil, onde traça os rumos de nossas construções, materiais e técnicas. No Maranhão, Deus era pobre. Não tinha nem ouro nem prata, nem madeiras nobres nem entalhadores geniais. A beleza de nossos monumentos está na simplicidade e nos espaços. É a própria Carta de Veneza que diz: "A noção de monumento histórico… estende-se não só às grandes criações mas às obras modestas que adquirem com o tempo um significado cultural". É assim com as Mercês e Vieira.




Em Paris discute-se se devem ou não reconstituir as Tulherias e a Carta de Veneza não proíbe. Pois por aqui ela proibiu Nossa Senhora das Mercês e o padre Vieira de terem sua igreja no Maranhão.


Jornal do Brasil (RJ) 8/12/2006