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Os porcos não perdoam

 

RIO - Com Jared Diamond, aprendemos que a evolução da humanidade foi controlada e influenciada pelos germes. O homem criou condições para o desenvolvimento dos germes ao conviver com rebanhos e domesticar animais, e desde então eles atacam em ondas periódicas, destruindo e dizimando. Malthus, no seu prognóstico de que a população da Terra cresceria de maneira insustentável, previa que ela seria regulada pelo aniquilamento dos pobres (dizia com a dureza britânica) pelas guerras, fomes ou epidemias. Evidentemente essa profecia foi conjurada.


O porco foi dos primeiros animais a conviver com o homem, há 10 mil anos, na China e no sudoeste da Ásia. Tanto assim que o ideograma de casa se compõe de dois, o de teto sobre o do porco. Os porcos limpavam o que restava do consumo humano, transformando-o em alimento.


Agora, depois de serem comidos por nós há milênios, se voltam contra nós, com uma gripe, segundo os entendidos, dita suína mas composta da fusão de um vírus de gripe aviária, com o da gripe suína europeia, o da gripe suína americana e o da gripe humana. Trata-se, diz o dr. Webster, consultor da OMS: “De uma verdadeira super-mistura de vírus”.


Na verdade, os porcos têm a capacidade de armazenar sem mutação os vírus durante anos, e estão devolvendo os que lhes transmitimos na gripe espanhola de 1918 e na gripe de Hong Kong de 1968. E nesse passa-passa, nos últimos 50 anos, ele passou para os humanos 17 vezes. Gripe e porco têm uma velha relação, e a primeira gripe que o homem sofreu foi suína.


Agora o mundo se vê mais uma vez ante medo da pandemia, como esteve diante da gripe aviária há alguns anos. Fecham-se escolas e estabelecimentos públicos, cortam-se voos – o México corre o risco de ficar inteiramente isolado, embora a gripe já tenha se espalhado pelo mundo – as pessoas usam focinheiras (máscaras) e, sobretudo, não se sabe como e quando a doença vai parar e ser controlada. Um dos riscos de sobrevivência da humanidade é uma pandemia, mas vamos sempre esperar que não venha nunca.


No Evangelho, Jesus ao expulsar os demônios dos homens permitiu que entrassem nuns porcos que passavam e estes se jogaram num precipício. Algumas religiões não permitem o consumo de sua carne, deliciosa e indutora do pecado da gula (ah, uma costeleta assada).


Ortega y Gasset, perguntado qual a melhor ave, refletiu: “Um peru é muito bom! Mas um capão! E uma galinha-de-angola! Uma perdiz, que delícia! Mas se porco voasse…” Certamente levava sua gripe para as nuvens e não atrapalhava minha viagem programada para o exterior. Melhor ficar em casa.


Folha de S. Paulo (RJ), 1/5/2009