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Luz no fim do túnel

 

Outro dia, almoçando com uma autoridade, alguém perguntou se finalmente o jogo seria liberado, os cassinos abertos, essas coisas. A autoridade respondeu o que podia e sabia: "isso é problema que só a Constituinte decidirá". Evidente que a Constituinte citada é a atual, pois houve e haverá outras. O bom é justamente isso: por melhor ou pior que seja a atual Constituinte, dela sairão outras cartas magnas, as quais serão juradas pelos governantes e governados.

Dona Dilma prometeu e depois recuou, quando sugeriu uma constituinte "específica" para ganhar tempo e deixar os protestos de rua esfriarem. Para não remar contra a maré, nem bancar o espírito de porco, apresento algumas sugestões para a possibilidade dessa tal constituinte específica. À primeira vista, poderão parecer questões de somenos ou delirantes, mas estou no gozo dos meus direitos de cidadão. Para ser franco, nunca acreditei muito na régua e compasso de todas as constituições havidas, nem nas próximas, a começar pelo princípio de que todo o poder emana do povo. Figurou em todas elas e figurará nas vindouras, mas, na realidade, o resultado é a tentativa de fazer nova constituição.

Vamos às sugestões Os constituintes soberanamente reunidos em Brasília, invocando o nome de Deus e pelo bem do povo brasileiro, decidirão de uma vez por todas os seguintes enigmas que preocupam a alma nacional, principalmente a minha própria alma:

1) Onde estão os ossos da Dana de Teffé?

2) Naquele Fla x Flu da Lagoa, o gol de Valido foi feito com a mão ou com a cabeça?

3) Qual a causa da mortandade dos peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas?

4) O Samba nasceu na casa da Tia Ciata ou na Ilha do Governador, na casa do compositor Sinhô?

5) O que significa aquela frase gravada na faixa oficial da banda de Ipanema (Yolhesman Crisbelles)?

6) Ao renunciar, Jânio Quadros referiu-se às forças ocultas ou terríveis?

7) Quando sairão os financiamentos de todos os filmes que a Norma Benguel pretende fazer?

8) A frase certa é "sigam-me os que forem brasileiros" ou "os que forem brasileiros me sigam"?

9) Há necessidade do lobista Marco Valério implantar cabelo para ganhar mais credibilidade?

10) A expressão "vá plantar batatas!" é ofensiva ao campesinato nacional?

11) Por que o imposto de renda não se transforma em renda do imposto?

12) Deve-se manter o nome da República Federativa do Brasil ou mudá-lo para Brasil da República Federativa? (Um dos grandes avanços institucionais que ficamos devendo às constituições pretéritas foi a mudança do nome dos Estados Unidos do Brasil, que alguns brasileiros solertes quiseram mudar para "Brasil dos Estados Unidos").

13) O Dedo de Deus fica no município de Magé ou no de Teresópolis? (Tem havido briga por causa da localização do pico e seria de ótimo alvitre se a Constituinte decidisse a questão).

14) Cristo nasceu na Judéia ou na Bahia?

15) O mundo vai realmente acabar? Em que dia e hora os formadores de opinião e aqueles que acreditam em discos voadores chegarão a um acordo?

Bem, são muitas as questões, dúvidas e enigmas que atormentam a vida nacional. Felizmente, o povo elegeu uma douta presidente que vem com a corda toda, disposta a botar tudo em pratos limpos, sobretudo os pratos específicos. Nos países civilizados, a Constituição tem poucas letras e vive muitos e muitos anos.

No Brasil, ela tem muitíssimas letras, parágrafos, incisos e alíneas, mas afortunadamente dura pouquíssimo tempo. Os assuntos que lembrei acima vão passando ou ameaçam passar de geração em geração e até agora nenhuma das Constituições que tivemos ousou defini-los, explicá-los ou suprimi-los.

Mesmo sem mandato, apresento minhas modestas reivindicações, de coração limpo e desinteressado, que certamente serão resolvidos em plenário depois de ouvidas as comissões técnicas. E, se o Brasil tiver vocação da grandeza, acredito que seja a hora de a Nação contribuir para a tranquilidade, decidindo os nobres senhores constituintes, de uma vez por todas, quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Não podemos perder a oportunidade, que é integralmente específica.

Folha de S. Paulo, 28/6/2013