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O Guedes

 

Não tenho certeza, posso estar enganado, como sempre, mas creio que foi o primeiro Guedes que conheci, primeiro, único e bastante. Era magro, muito magro. Eu desconfiava que ele era magro porque se chamava Guedes, mais tarde descobri que se chamava Guedes porque era magro.


Nada se sabia ao certo de sua vida e de seus feitos. Era vagamente mineiro, falava muito numa cidade chamada Porciúncula. Naquele tempo, todo mundo pensava que Porciúncula era em Minas, acho que não era nem naquele tempo nem agora.


Impossível ignorá-lo e, depois, esquecê-lo. Diziam que havia sido tuberculoso e que tivera mau hálito, tendo sobrevivido à doença e aos dentes mal tratados. Quando o conheci, só não podia ser considerado elegante, porque se trajava mal, embora fosse cortês e, até certo ponto, ouvinte atento de qualquer um e de qualquer assunto, dando a impressão de concordar com todos, inclusive com ele mesmo.


O fato mais notável de sua biografia nem chegou a ser sua morte, de fulminante colapso cardíaco, aos 37 anos de idade e 15 de seu complicado noivado com a filha de um major-intendente do Corpo de Bombeiros.


Teve uma fase de sucesso. Guedes fazia versos -muitos e maus. Nada publicou em vida, e dele nada publicaram depois de morto. Mas em Vila Isabel e adjacências, mesmo com Noel Rosa ainda em atividade, ele era considerado o poeta da Vila. Seus poemas eram copiados a mão por admiradores e andavam de casa em casa, de botequim em botequim.


Caiu em desgraça porque fez um soneto fescenino, mais obsceno do que fescenino, declarando-se amante da mulher mais honesta do bulevar 28 de setembro, esposa exemplar e mãe extremosa de cinco filhos. O marido prometeu matá-lo, mas Guedes facilitou a vingança morrendo antes -como já foi dito- de morte natural.


Consta que aparece pelas ruas do bairro em noites de lua cheia.


 




Folha de São Paulo (São Paulo) 14/05/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 14/05/2005