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Um caso acadêmico

 

NUNCA APRECIEI comentar a Academia Brasileira de Letras, nem antes de lá ter entrado, nem depois, quando ali ocupo a cadeira nº 3. Apesar disso, volta e meia sou convidado a me manifestar sobre tal ou qual problema acadêmico. Como é o caso que passo a expor.


A biografia do Paulo Coelho, escrita por Fernando Morais, citou o ex-ministro Celso Lafer como interessado na eleição do sociólogo Helio Jaguaribe, que concorreu com o Mago para uma das vagas. Tanto Paulo Coelho, como Helio Jaguaribe e Celso Lafer são hoje acadêmicos. Na devida oportunidade, votei nos três. E o próprio Fernando Morais quando foi candidato teve o meu voto, não se elegendo porque a maioria preferiu votar em Marco Maciel, elegante companheiro, do qual sou crescente admirador.


Na biografia foi dito que Celso Lafer, então ministro do Exterior, teria pedido votos em favor de Helio Jaguaribe, derrotado por Paulo na segunda tentativa de ambos se tornarem acadêmicos. De acordo com o texto, Celso teria prometido medalhas e condecorações àqueles que votassem em Helio. Não é verdade.


É possível e natural que Celso tenha conversado com amigos sobre aquela eleição e mostrado simpatia pelo sociólogo -um direito dele, afinal. Outros fizeram o mesmo em relação ao Mago. Sou amigo de Celso Lafer muito antes dele ser ministro e eu acadêmico. Ele não chegou a me procurar nem mesmo quando, anos depois, foi candidato. Tão logo se inscreveu -e já não era ministro- mandei-lhe no dia seguinte os meus votos para os quatro escrutínios. E nunca recebi nem pleiteei qualquer medalha, prêmio, condecoração, cargo ou missão de qualquer governo, muito menos de um governo que critiquei quase diariamente, durante oito anos.


Refresco de memória: Paulo e Hélio, juntamente com Mário Gibson Barbosa, já haviam se candidatado a outra vaga que não chegou a ser preenchida. Na ocasião, usei do direito regimental de votar quatro vezes: votei em Helio, em Paulo, em Mário e em branco, no quarto escrutínio. Nenhum dos três candidatos obteve o quórum necessário, e houve nova eleição para a mesma vaga.


Mário Gibson não mais concorreu, e a disputa ficou entre Paulo e Helio. Dividi mais uma vez os meus votos, de acordo com os escrutínios, dois para cada um. Paulo foi eleito numa rodada em que contou com o meu voto. Fui com Cândido Mendes de Almeida levar meu abraço ao Hélio e insistir para que ele se candidatasse novamente, o que ocorreu pouco depois. Tive o prazer de votar nele.


É natural que haja alguma ou muita disputa nas eleições para a ABL. Mas nos anos em que a freqüento não tive notícia de qualquer tipo de pressão indevida a favor de qualquer candidato. Acredito que um tipo de pressão explícita provoque até efeito contrário. Houve o caso de Juscelino Kubistchek, então presidente da República, que se empenhou na eleição de um amigo, Paulo Pinheiro Chagas, que concorria com Magalhães Jr.. Eleito, anos depois, o próprio Magalhães votaria em JK quando candidato na mais dramática eleição da ABL.


Há pedidos vindos de amigos e admiradores dos pretendentes, o que é natural. Muitas vezes há abaixo-assinados em favor de um deles, e já houve manifestos e movimentos de opinião pública contrários, como no caso de Roberto Campos, que nem por isso deixou de ser eleito.


Enquanto escrevia a biografia do Mago, o autor me telefonou para comunicar uma revelação que o próprio Paulo havia feito: em início de carreira, para obter emprego num jornal do Nordeste, ele havia copiado uma crônica minha e a assinara com o nome dele. Fernando me perguntou se eu sabia do fato, disse que não e lamentei apenas o mau gosto do Paulo em ter preferido copiar um autor tão desimportante.


Celso Lafer não me pediu voto para quem quer que seja, nem mesmo quando foi candidato. Eu é que me antecipei. Não creio que ele tenha se envolvido na eleição de Helio Jaguaribe, um intelectual dos mais brilhantes de nossa vida cultural, que hoje tem assento ao lado de Paulo Coelho e Celso Lafer, colaborando para manter a tradição que Machado de Assis, Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, Euclydes da Cunha e os demais predecessores legaram a seus sucessores.


Folha de S. Paulo (SP) 15/8/2008