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Um musical na Broadway

 

Recente estada em Nova York e tive a oportunidade de realizar um desejo antigo: ver o musical (ou ópera) "Porgy and Bess", de George Gershwin, com um elenco negro, numa montagem caprichada em plena Broadway, com Audra McDonald (muito elogiada no papel de Bess) e Norm Lewis num impressionante Porgy.

Conhecia a obra de disco e cinema, um filme de 1959, dirigido por Otto Preminger, com Sidney Poitier e Dorothy Dandridge nos papéis principais, reforçados por um Sammy Davis Jr. como Sporting Life. Boa produção da Columbia, que deu mais importância à trama de DuBose, mas conservou a essência da música original.

Não tenho condições nem vontade para me tornar crítico teatral ou musical, mas sempre curti Gershwin. Coloco-o ao lado de Nacio Herb Brown e Cole Porter quando penso em música norte-americana (admiro Jerome Kern e Irving Berlin, mas fico com os três. O caso de Gershwin transcende qualquer comparação).

Além dos grandes sucessos no gênero popular, penetrou com mérito nas salas de concerto. Com 33 anos, fez um musical que, para todos os efeitos, é realmente uma ópera. Anos antes, em 1925, fizera o "Concerto em Fá", que, além de outras reproduções, foi gravado pela Sinfônica da NBC, regida por Arturo Toscanini, com Oscar Levant ao piano.

Sua produção como um todo pode ser considerada clássica, sem falar em "Um Americano em Paris" e, sobretudo, "Rapsódia Azul", que muito se beneficiou da orquestração de Ferde Grofé, autor de um grande sucesso, a suíte "Grand Canyon".

A facilidade com que Gershwin produzia melodias que instantaneamente ganhavam as ruas e os teatros, como "Swanee", imortalizada por Al Jolson, não era a mesma quando fazia a orquestração. Ele não fez por menos. Foi para a Europa, em Paris procurou Maurice Ravel, considerado por muitos como o maior orquestrador da história. Queria ter aulas com ele. Ravel perguntou quanto Gershwin ganhava. Com a resposta que recebeu, o autor do famoso "Bolero" recusou: "Há um erro nesta proposta. Quem devia me dar aulas é o senhor".

Voltando ao espetáculo da Broadway: perfeito em todos os sentidos. Com exceção, talvez, da tempestade -ou seria um furacão? Nelson Rodrigues sempre citava o "mau tempo" do 5º Ato do "Rigoletto", que ele, detestando viajar, só conhecia pelas montagens do Teatro Municipal do Rio. Com os recursos e o know-how da Broadway, a tempestade de Verdi que tanto impressionava o Nelson se reduziria a inofensivo chuvisco.

Para realizar sua obra, Gershwin trocou Nova York por Folly Beach, uma pequena ilha nas proximidades de Charleston, onde pôde observar os negros da vizinhança. Separados da corrente principal que se radicou no continente, os negros, na maioria pescadores, guardavam cantos, danças, preces, bater de pés e palmas de origens africanas. Combinavam com os personagens de Catfish Row, principal locação do roteiro original de DuBose.

Com a partitura pronta, Gershwin definiu o seu trabalho para alguns jornalistas: "Bem montada, será uma combinação de 'Carmem' (Bizet) e 'Mestres Cantores' (Wagner)".

Ele não chegava a ser um cabotino, mas tinha pouca experiência com o gênero. E, assim, "Porgy and Bess" seguiu mais ou menos a mesma trajetória de outras óperas, das quais, a popularidade se reduz a algumas árias.

Dizem que Verdi e Puccini somente davam a melodia de certos trechos de suas óperas no dia do ensaio geral de toda a companhia, ou seja, véspera da estreia. Antes que o "Rigoletto" fosse encenado, Verdi ouviu "La Donna è Mobile" num realejo de rua.

O mesmo aconteceria com a ópera de Gershwin. "Summertime", que abre o espetáculo, é tão executada como os outros inúmeros sucessos do autor: "Lady, Be Good", "The Man I Love", "'S Wonderful" -a lista é enorme, uma das maiores do patrimônio musical dos Estados Unidos.

Gershwin morreu antes dos 40 anos. É lícito perguntar até onde chegaria, mesmo sem a colaboração de Ravel. Em muitos sentidos, tornou-se um caso que se deve considerar raro. Seu "Concerto em Fá", para piano e orquestra, pode ser catalogado como uma das melhores expressões do gênero. E "Porgy and Bess" ficará sempre no repertório dos grandes momentos musicais.

Folha de São Paulo, 15/6/2012