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Uma história repugnante

 

Trabalho jornalístico fala sobre o último elo de uma cadeia: o destino final dos fetos


DOIS JORNALISTAS ingleses, Michel Litchfield e Susan Kentish, fizeram há tempos uma ampla pesquisa sobre a indústria do aborto em Londres. O resultado foi um livro que causou espanto e merece, ao menos, uma reflexão de todos os que se preocupam com o assunto. "Babies for Burning" (bebês para queimar, editado pela Serpentine Press, de Londres) não é um ensaio sobre o aborto, mas um trabalho jornalístico sobre o último elo de uma cadeia: o destino final dos fetos que anualmente são retirados de ventres que não desejam ou não podem ter filhos ou "aquele filho".


No caso da Inglaterra, já existe uma lei, o "Abortion Act", de 1967, que permite a interrupção do processo de gravidez pela eliminação mecânica.


Os autores souberam, por meio de informações esparsas, que a indústria do aborto, como qualquer indústria moderna, tinha uma linha de subprodutos: a venda de fetos humanos para as fábricas de cosméticos. Durante a Segunda Guerra, os nazistas também exploraram esse ramo do negócio: matavam judeus aos milhões e aproveitavam a pele e a escassa gordura das vítimas para uma linha de subprodutos que iam de bolsas feitas de pele humana a sabões que lavavam os uniformes do Exército do 3º Reich.


Os ingleses não chegam a ser famosos pelas bolsas que fabricam, mas pelo chá e pelos sabonetes -os melhores do mundo.


Um "english soap" sempre me causou pasmo pela maciez, a consistência da espuma, a sensação de limpeza que dá a pele. Não podia suspeitar que tanto requinte pudesse ter -em alguns deles- as proteínas que só se encontram na carne -e carne humana por sinal. Desde que li o livro, cortei drasticamente dos meus hábitos de higiene o uso dos bons e estimulantes sabonetes ingleses. Aderi ao sabão de coco, honestamente subdesenvolvido, com cheiro de praia do Nordeste e eficácia múltipla, na cozinha ou no toucador.


Contam os jornalistas: "Quando nos encontramos em seu consultório, o ginecologista pediu à sua secretária que saísse da sala. Sentou-se ao lado de Litchfield, o que melhorou a gravação, pois o microfone estava dentro da sua maleta. O médico mostrou uma carta:


- "Este é um aviso do Ministério da Saúde", disse, com cara de enfado. "As autoridades obrigam a incineração dos fetos... não devemos vendê-los para nada... nem mesmo para a pesquisa cientifica... Este é o problema...."


- "Mas eu sei que o senhor vende fetos para uma fábrica de cosméticos e... e estou interessado em fazer uma oferta... também quero comprá-los para a minha indústria..."


- "Eu quero colaborar com o senhor, mas há problemas... Temos de observar a lei... As pessoas que moram nas vizinhanças estão se queixando do cheiro de carne humana queimada que sai do nosso incinerador. Dizem que cheira como um campo de extermínio nazista durante a guerra."


E continuou: "Oficialmente, não sei o que se passa com os fetos. Eles são preparados para serem incinerados e depois desaparecem. Não sei o que acontece com eles. Desaparecem. É tudo."


- "Por quanto o senhor está vendendo?"


- "Bem, tenho bebês muito grandes. É uma pena jogá-los no incinerador. Há uso melhor para eles. Fazemos muitos abortos tardios, somos especialistas nisso. Faço abortos que outros médicos não fazem. Fetos de sete meses. A lei estipula que o aborto pode ser feito quando o feto tem até 28 semanas. É o limite legal. Se a mãe está pronta para correr o risco, eu estou pronto para fazer a curetagem. Muitos dos bebês que tiro já estão totalmente formados e vivem um pouco antes de serem mortos.


Houve uma manhã em que havia quatro deles, um ao lado do outro, chorando como desesperados. Era uma pena jogá-los no incinerador porque tinham muita gordura que poderia ser comercializada. Se tivessem sido colocadas numa incubadeira poderiam sobreviver mas isso aqui não é berçário.


Não sou uma pessoa cruel, mas realista. Sou pago para livrar uma mulher de um bebê indesejado e não estaria desempenhando meu oficio se deixasse um bebê viver. E eles vivem, apesar disso, meia hora depois da curetagem. Tenho tido problemas com as enfermeiras, algumas desmaiam nos primeiros dias."


Folha de S. Paulo (SP) 11/4/2008