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A pandemia da corrupção

 

RIO - Na história da humanidade e da civilização jamais foi encontrado antídoto algum contra a corrupção. Já o Código de Hamurabi, que data de 1700 AC, durante muito tempo considerado o primeiro Código Legal da humanidade, fala em punição de governantes corruptos. Cícero e Catão construíram suas histórias políticas martelando contra ela, e em todos os parlamentos existem grupos ou pessoas que fazem sua carreira defendendo a pureza das instituições a que pertencem ou atacando a dignidade de seus colegas.


As ideias políticas do mundo ocidental incorporaram o combate à corrupção e, mais do que isso, a acusação aos adversários de corruptos, como chaves da atividade política. Adriano Moreira, um grande mestre da ciência política em Portugal, anota com agudeza que o discurso de Péricles aos mortos da Guerra do Peloponeso já inclui as duas coisas: primeiro a condenação da corrupção; depois, a acusação do adversário de corrupto quando fala do roubo de ouro das estátuas de Fídias, a quem defende.


Ultimamente os escândalos de corrupção têm marcado a vida pública brasileira. São episódios vergonhosos, que denigrem cada vez mais os políticos. Se a corrupção é um câncer para a sociedade, muito mais quando se trata da corrupção política, definida como “o uso ilegal do poder político e financeiro com objetivo de transferir renda pública ou privada de maneira criminosa para indivíduos ou grupos”.


Muitas leis, barreiras, ameaças, punições têm tentado evitá-las. Nossa primeira lei contra a corrupção de colarinho branco foi feita por mim (Lei 7.492/86). É de minha autoria também a lei que determina a declaração de bens de candidatos a cargos públicos. Mas nada disso pode deter a doença que ataca a classe política. Nabuco, no seu discurso defendendo João Alfredo – o presidente do Conselho que fez a Lei Áurea –, dizia o quanto ela era uma constante da nossa história e citava casos, como o das concessões para loterias, engenhos centrais e outras. Mas, comparadas com as de hoje, são quase que pecadilhos angelicais.


O que ocorre no país neste instante é inclassificável. É trágico, deprimente, inconcebível, sob todos os ângulos. Mas acredito que o grande responsável por tudo isso está passando incólume. É o nosso sistema eleitoral. O voto uninominal proporcional que destrói a democracia, os partidos, a vida pública e a própria classe política. Para a eleição os ideais, os programas, os princípios de nada servem. Só o dinheiro necessário para a vitória. E o país pensa que enforcar os corruptos resolve tudo. Quem deve ser enforcado é o sistema eleitoral. Sem isso, de nada adianta punir ou envergonhar-se.


Folha de S. Paulo, 4/12/2009