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Bienais

 

Sou um profissional do livro, tanto na mão como na contramão, na voz ativa e na passiva. Acho que passei a maior parte do meu tempo lendo ou escrevendo, e confesso que, embora não me justifique, o contato com o livro tem sido o melhor da minha vida – ao lado de outros prazeres, poucos e não bastantes.


Mesmo assim, não gosto da palavra “bienal”, usada pelas feiras de livros que, felizmente, se realizam anualmente. Mas considero o evento necessário para a promoção do livro como um todo, e não da literatura em si.


Sempre ouvi dizer que há duas maneiras de ser escritor. A primeira, a mais tradicional, é a do refúgio na chamada torre de marfim, em que o autor se isola para não se promiscuir com o mercado.


A segunda considera o livro como um elo entre o autor e o leitor, não diviniza nem demoniza a praxe, aceita a regra do jogo e dá o seu recado.


Há gênios e imbecis nas duas categorias. Gênios que se isolam e imbecis que também cultivam a torre que eles julgam ser de marfim.


Deve ser o meu caso, embora a minha torre seja um escombro, mais inclinada e muito mais feia do que a de Pisa.


Não é por aí que a literatura sobrevive como arte e como uma das vias mais importantes da cultura universal e do enriquecimento espiritual. É difícil admitir a

 existência de gênios inéditos, mas pode haver algum a ser descoberto pela posteridade.


No geral, o gênio pode tardar a ser reconhecido, mas, antes disso, tem de pagar um preço: tirante a própria vida, nada é gratuito na vida. Não há almoços grátis.


Como gênio é coisa rara, e discutível, quem não é gênio precisa pagar o mico e, mais por humildade do que por vaidade, se submeter à sua circunstância.


Por tudo isso, salve as bienais, principalmente as anuais.


Folha de São Paulo, 31/8/2010