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Médicos e monstros

 

Parece que dessa vez sai a tal Comissão da Verdade. Sua constituição deverá provocar alguma polêmica, mas sua necessidade é evidente. Afinal, durante muitos anos, sobretudo entre 1964 e 1985, passamos por um túnel sinistro no qual muitos foram massacrados ou perseguidos. Deve haver em algum lugar dos ministérios militares e das polícias estaduais e municipais um vasto acervo de crimes do Estado contra os cidadãos.

Não falo dos mortos e desaparecidos, que dificilmente serão assumidos pelas autoridades da época. Para citar dois casos insuficientemente explicados até agora: a morte de Vladimir Herzog, produzida nos porões de um quartel como um suicídio improvável; e o desaparecimento do deputado Rubens Paiva.

São milhares as vítimas, centenas os algozes, é necessário e urgente que fiquemos sabendo o que se passou e foi criminosamente escondido pelos responsáveis. Além dos mortos e desaparecidos, durante os anos de chumbo milhares de brasileiros foram presos e sequestrados, submetidos a interrogatórios e torturas.

Pouco antes de morrer, JK, um homem sem mágoas, preso num quartel em 1968 (AI-5) e tendo respondido a diversos e humilhantes IPM's ao longo do período, confessava que sua maior frustração foi não ter divulgado os numerosos depoimentos que prestou aos inquéritos, as pressões e constrangimentos que ele e sua família passaram, a tomografia computadorizada de um tempo em que em que ele foi, ao mesmo tempo, um dos principais personagens e uma das vítimas principais.

Os jovens de hoje que, patrioticamente, encaminham-se para as escolas de formação militar precisam conhecer as causas e as consequências que podem fazer, de bem-intencionados médicos, verdadeiros monstros contra a sociedade.

Folha de São Paulo, 25/9/2011