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São Luís, 400 anos, cheiro de poesia e cravo

 

O Brasil anda muito descuidado e ausente de sua história.

São Luís, a única das capitais brasileiras não fundada por portugueses, mas por sim franceses, completou 400 anos, dia 12, e ninguém nacionalmente tomou conhecimento.

Não teve direito nem a um telegrama de parabéns. Ficamos na alegria e nas comemorações locais.

E o Brasil começou ali, dividido em dois estados: o do Brasil e o do Maranhão e Grão Pará, maior que o primeiro. Os ventos alísios e as correntes marítimas favoráveis faziam que a viagem de Portugal à região fosse de 28 dias, quando para o outro Brasil era de dois meses.

Os franceses, depois do fracasso da França Antártica, no Rio, com a aventura calvinista de Villegaignon, pretenderam fundar uma colônia na região do platô da Guiana e, depois de ali piratearem durante 80 anos, fixaram-se mais abaixo, comandados por La Ravardiére, plantando forte onde é hoje a cidade de São Luís.

Deixaram dois livros escritos pelos frades franciscanos, talvez os mais completos sobre a terra, os índios, seus costumes: de Claude d'Abbeville, "História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha de Maranhão" e, de Yves d'Evreux, "Viagem no Norte do Brasil". Abbeville dizia "Luís 13, rei de três coroas: França, Navarra e Maranhão".

Tomada a cidade pelos portugueses, por Jerônimo de Albuquerque, passou a ser uma das mais importantes da Colônia.

Começou a imigração e, empolgado com as novas conquistas, o navegador Simão Estácio da Silveira escreveu no livro "Relação Sumária das Coisas do Brasil": "Das terras que Portugal conquistou, a melhor é o Brasil e o Maranhão é o Brasil melhor."

Pela localização estratégica, fizeram engenhos de açúcar e grandes plantações de algodão. Colégios e conventos eram erguidos, professores e alunos estudavam em Coimbra, na França e na Alemanha.

Logo assumiu a liderança no Brasil de ser uma cidade culta, de sábios, poetas e humanistas. Por ali tiveram passagens importantes de suas vidas o Padre Vieira, que proferiu muitos dos seus mais célebres sermões, e o santo Padre Malagrida, mártir da Igreja.

Cognominada Atenas Brasileira, colecionou para o país os seus maiores escritores, desde Gonçalves Dias, o maior, até Sousândrade, o construtor do nosso modernismo. Dos patronos e membros fundadores da Academia Brasileira de Letras, dez eram do Maranhão.

Com a descoberta da navegação a vapor, os seus trunfos foram embora e mergulhou em profunda decadência. Hoje patrimônio da humanidade, guarda as marcas de sua história como o maior conjunto colonial português, a cidade planejada, calçadas e casarões de pedras de cantaria trazidas como lastro nas naus veleiras e coberta de azulejos belíssimos que até hoje a fazem de porcelana.

O povo gosta e tem orgulho de sua terra, de sua história, de suas lendas.

Miscigenada de franceses e portugueses, ocupada pelos holandeses, tornou-se a mais brasileira de nossas cidades.

A liberdade do Brasil ali teve seu primeiro grito com Bequimão, enforcado pela independência. Ali passaram Caxias e Tamandaré, e o maior herói negro do Brasil, o Negro Cosme que se intitulava imperador das Liberdades Bentevis, fundou o maior quilombo do país, e como primeiro ato fez uma escola, participou da única revolta verdadeiramente popular de nossa história, a Balaiada.

Gilles Lapouge, o grande escritor francês, escreveu que São Luís "é a cidade mais bonita do Brasil e do mundo".

Foi saqueada por Cochrane, ironicamente feito marquês do Maranhão por Pedro 1°, de onde levou joias e dinheiro para a Inglaterra, dizendo que era para pagar o bolo que levara do Imperador. Temos história, "sonhos no futuro glórias no passado", como diz o poeta Tribuzzi. A cidade que cheira a poesia e cravo.

Folha de S. Paulo, 28/9/2012