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Prece para um ano novo

 

Depois do bife com batatas fritas, das pernas da Claudia Raia e da introdução de "No Tabuleiro da Baiana", do Ary Barroso, a maior criação de Deus foi o Diabo, o próprio, também conhecido como Demônio ou Satanás. E, segundo Guimarães Rosa, o Arrenegado, o Cão, o Sujo, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Tisnado, o Coxo, o Coisa-Ruim, o Marrafo, o Não-Sei-Que-Diga, o Rapaz, o Sem-Gracejos (apud "Grande Sertão: Veredas").

Tirando-se o citado Sem-Gracejos da história, nem haveria história, o mundo seria uma chatice, todo mundo tocando cítara e sem direito de votar, como nos tempos da ditadura, e sem poder ir para o diabo que o carregue.

Pensando assim, desde que li as obras completas de Tomás de Aquino, não me arrependo de ter, aos nove anos de idade, vendido minha alma ao Diabo a troco de um canivete de duas lâminas de um tal Sacadura, terror das ruas de Lins de Vasconcelos, onde nasci e vivi até que desconfiei que a barra ficara pesada para os meus lados. O que me obrigou a buscar refúgio num seminário, onde tentei desfazer o pacto diabólico -uma redundância, por sinal, porque, sem pacto ou com pacto, o Diabo já tinha o domínio do fato ("data venia" aos nossos ilustres ministros do Supremo Tribunal Federal).

Muita gente acredita que a maior obra de Deus foi a luz, o "fiat lux", que terminou virando uma caixa de fósforos. Em tempo de tantos apagões, que dona Dilma não cansa de explicá-los, até que seria uma boa se tivéssemos uma nova edição, revista e aumentada, da criação do homem. Mesmo sem homem, mas com o Diabo, que, entre seus feitos satânicos, me deixou literalmente na mão, sem o canivete de duas lâminas do Sacadura. Com o qual eu poderia fazer justiça, livrando-me de todo o mal, amém.

Folha de S. Paulo (RJ), 8/1/2013