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O gato e o rato

 

Acompanho à distância e sem muito entusiasmo a cobertura dos bastidores da política nacional. Bem ou mal, por dever de ofício, não de consciência ou vontade, passo por um canal da TV e descubro um cidadão dizendo alguma coisa para os outros cidadãos, inclusive para mim, que mal e porcamente me considero cidadão.


Foi assim que peguei o presidente da Câmara dos Deputados largando para todos nós, cidadãos, uma metáfora que já ouvira antes, mas dela não me lembrava. Dizia ele que não importa a cor do gato, se é branco, preto ou "cor de burro quando foge", uma cor também metafórica e comum na natureza. O que importa é que o gato, qualquer que seja a sua cor, cace o rato.


Não tenho certeza, mas acho que a frase dita pelo presidente da Câmara foi mais econômica, como convém às metáforas: "Não importa a cor do gato se ele caça o rato".


Evidente que concordei, também metaforicamente, com o ditado, mas fiquei sem saber em que contexto ele se encaixava. Quem era o gato? Quem era o rato?


Dizem que a frase mais importante de J.P. Sartre, a única que ficará para a história, foi aquela: "O inferno são os outros". Aplicando a frase sartreana ao que foi dito pelo presidente da Câmara, pode-se deduzir que o rato são os outros. Que outros? Não ficou claro. Creio que ele se referia aos ratos mesmo, ficando a critério de qualquer um estabelecer o tamanho, os feitos e feitios de cada rato - isolado ou genericamente.


Pulando do democrata Aldo Rabelo para um dos pesos-pesados do fascismo em sua versão século 20, lembro uma frase que repetiu a seu modo a mesma metáfora: "Um gato come o rato. De quem é a culpa?"


Esquecendo o gato e rato, mas ficando na escala animal, invoco o porco, que agora pode ser iluminado, fosforescente, como nesta semana andei lendo por aí. O porco poderia entrar na metáfora, atribuindo-me o uso de seu espírito, que continua opaco.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 21/1/2006