Vividos 54 anos e destacando-se como brilhante advogado e professor carioca, Zé Roberto, pela exuberância de sua obra jurídica e, em particular, daquela não propriamente jurídica, revela que jamais perdeu um minuto sequer afastado do conhecimento e especialmente da literatura nacional e estrangeira.
A fecunda imaginação e a inigualável capacidade de José Roberto de Castro Neves produziram, nestes últimos dez anos, livros e coletâneas que abordam temáticas originais, notáveis ilusões e saborosas sensações…
Foi sem dúvida por esses reconhecidos predicados que Zé Roberto, por estrondosa votação, foi eleito membro imortal da prestigiosa Academia Brasileira de Letras – agora como seu mais jovem integrante –, a ocupar a cadeira n. 26, que tem por patrono o poeta romântico Laurindo Rabelo, na vaga deixada pelo pernambucano Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça.
A posse de José Roberto de Castro Neves na Academia Brasileira de Letras, no início da noite do último dia 11 de julho, foi definitivamente uma memorável efeméride, na qual se fizeram presentes mais de 500 pessoas no Petit Trianon, localizado na Avenida Presidente Wilson, no centro do Rio de Janeiro. O tradicional prédio, como se sabe, é uma réplica do Petit Trianon de Versalhes e foi doado pelo governo francês à ABL em 1923.
O ilustre acadêmico – também jurista – Joaquim Falcão é que pronunciou erudito discurso em nome da Academia, para receber o seu novo imortal, no qual destacou o inequívoco talento, a grandeza e a qualidade da produção literária de José Roberto.
Ressaltou ainda, com merecida ênfase, a especialidade de José Roberto sobre a vida e obra de William Shakespeare.
Observo que, a propósito, o imortal Zé Roberto escreveu: Medida por Medida – O Direito em Shakespeare (2013), Medida por medida: O que o Bardo nos Ensina sobre Justiça (2019), Shakespeare e os Beatles: O Caminho do Gênio (2021) e Shakespeare Ontem, Hoje e Amanhã, e Amanhã, e Amanhã: Por que Shakespeare é Pop? (2024).
Aproveito a oportunidade para dizer que, entre os livros de autoria de Zé Roberto, o meu preferido é Como os Advogados Salvaram o Mundo: a História da Advocacia e sua Contribuição para a Humanidade (2020).
Somos os livros que lemos
Na sequência da cerimônia, o empossando proferiu a sua oração, magnífico texto, em que procurou demonstrar, sem exageros, o seu vastíssimo conhecimento da maioria dos autores e das respectivas obras clássicas, nacionais e estrangeiras.
Além de muitas passagens de notório interesse cultural, vale destacar três trechos do discurso de Zé Roberto. O primeiro deles, atinente à importância dos livros, quando afirma:
“… Cedo percebi: a literatura é a verdadeira alquimia. Transforma tinta no papel em ideias, sentimentos, alimento para a alma e motor para novas descobertas.
Para mim, os livros funcionaram como uma droga lícita. Um ‘dopping’ do bem.
A literatura coloriu meu caminho. Desde garoto, meus ídolos vinham das letras: Capitão Rodrigo, Aragorn, Huckleberry Finn, Pedro Bala, Mr. Darcy, Atticus Finch, Ahab.
Se o acadêmico Paulo Niemeyer abrir docemente minha cabeça, encontrará, nos lobos cerebrais, um mar de letras, novelos enredando do Padre Bernardes ao Kama Sutra, de Camões a Asterix.
Como definiu o imortal Geraldo Carneiro: ‘Ler é a arte de viver por empréstimo’. Fui menino de rua com Os capitães da Areia, de Jorge Amado, e tornei-me um religioso ortodoxo com Isaac Bashevis Singer. Pelas letras, já morei na Rússia, em São Tomé e Príncipe e na Terra Média. Visitei Macondo e Lilipute. Fui embora para Pasárgada e voltei para Ítaca. Cruzei o sertão (do tamanho do mundo) e os mares atrás de um enorme cachalote branco.
Ao longo da vida, tudo o que fiz se deu, acima de tudo, pelos livros. Até mesmo nas relações afetivas…”.
Prosseguindo, Zé Roberto alude à vocação da Academia Brasileira de Letras de possuir entre os seus pares próceres da área jurídica:
Adiante, a Academia recebeu, para citar alguns jurisconsultos expoentes, Pontes de Miranda (Josué Montello dizia que Pontes de Miranda era tão assombroso que parecia uma invenção do próprio Pontes de Miranda), Miguel Reale, Raymundo Faoro…”.
Caminhando para a conclusão, delineia-se magistral a proposta formulada pelo acadêmico José Roberto de Castro Neves, na seguinte reflexão:
“… Somos a educação que recebemos. Os livros que lemos. As obras de arte que apreciamos. As músicas que ouvimos. Somos aquilo que nos emociona. Somos a cultura que reverenciamos.
Eis a principal missão, diante da realidade, do cidadão brasileiro: atentar para a educação, fomentar o hábito de ler e, assim, fortalecer nossa cultura.
O caminho para uma sociedade justa passa pela capacitação. A dignidade que se ganha com o saber, em adquirir ferramentas para questionar e, assim, exercer a democracia plena, com liberdade informada.
Por isso falo de responsabilidade.
A responsabilidade que sentiu São Bento de trazer ordem ao seu mundo desfigurado. A responsabilidade de Hamlet ao enfrentar o tio usurpador. A responsabilidade assumida pelos fundadores desta Academia Brasileira de Letras – e dos seus integrantes desde então. A responsabilidade de qualquer brasileiro de construir um ambiente profícuo para que as pessoas neste país possam se desenvolver intelectualmente.
Essa a missão. Minha e de todos nós.
Essa responsabilidade por velar pela educação, por garantir acesso à cultura, é meu tema nesta noite.
Sozinho, minha força é limitada. Juntos, porém, podemos mudar o mundo.
Queria pedir a todos, aos que estão aqui e a quem tiverem acesso a estas palavras, que se sintam responsáveis.
Embora esta seja uma ocasião de profunda alegria, é hora também de reconhecer o muito que há por fazer – e cabe a nós, a todos nós, essa responsabilidade.
Sem perder a ternura, sem fraquejar, com os pés no chão do presente e os olhos mirando o futuro. Acertando e errando, mas buscando fazer.
‘Porque aprender-a-viver é que é o viver’…”.
É assim, nesse contexto de tradição e sabedoria, que a eleição e a posse do advogado e professor José Roberto de Castro Neves despontam como um autêntico orgulho, não apenas àqueles que têm o privilégio de seu convívio, mas à evidência para toda sociedade brasileira!
Matéria na íntegra: https://www.conjur.com.br/2025-jul-18/a-memoravel-posse-de-jose-roberto-de-castro-neves-na-abl/
24/07/2025