A 23ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) começa nesta quarta-feira (30) com um tributo vibrante a Paulo Leminski (1944–1989), poeta curitibano que desafiou fronteiras entre o erudito e o popular, entre verso e prosa, entre o rigor formal e o humor pop. Reconhecido principalmente por sua produção poética, Leminski terá nesta edição sua obra em prosa resgatada e celebrada como nunca antes.
O ponto alto desse redescobrimento é o relançamento de Gozo Fabuloso, coletânea de contos dada como perdida por décadas. A obra será lançada oficialmente na sexta-feira (1º), às 20 horas, na Livraria das Marés, com a presença das filhas do autor, Aurea e Estrela Leminski.
“Leminski escrevia prosa com a cabeça de poeta”, diz Alice Ruiz, ex-companheira do autor e curadora de sua obra. “O conto foi um território que ele passou a explorar com o mesmo brilhantismo com que tratava os haicais e as canções”.
Um artista múltiplo e experimental
Leminski foi um artista inquieto: poeta, prosador, ensaísta, biógrafo, publicitário, judoca faixa-preta e tradutor de nomes como Beckett, Joyce e Petrônio. Participou da poesia marginal, dialogou com o concretismo, traduziu haicais e trouxe para o português os sabores mais densos e pop da linguagem.
Seu trabalho mais ousado talvez tenha sido Catatau, romance de 1975 em que o filósofo René Descartes é imaginado em plena selva tropical. O livro – descrito como um “romance-ideia” – mistura psicodelia e filosofia para desmontar a lógica racionalista ocidental sob o prisma ameríndio. Enigmático e denso, Catatau representa o ápice de sua experimentação narrativa e também está em pauta nesta Flip, em debates realizados durante o Ciclo do Autor Homenageado, promovido em julho pelo Sesc São Paulo.
Da poesia à ciranda: Flip mistura linguagens em homenagem a Leminski
A abertura da Flip 2025 conta com uma apresentação especial do poeta e músico Arnaldo Antunes, que trará ao palco poemas, prosas e canções de Leminski. A festa literária segue até domingo (3), com uma programação que, assim como o homenageado, borra as fronteiras entre os gêneros e transita entre o popular e o experimental.
Nesta quarta-feira, às 21h, um cortejo cultural pelas margens do Rio Perequê-Açú marcará o início da celebração. O grupo paratiense lidera o trajeto da Praça da Matriz até o Palco do Areal, onde acontecerá uma ciranda aberta ao público.
Homenagem inspira diálogos sobre literatura e diversidade
A curadoria da Flip, comandada por Ana Lima Cecilio, estruturou uma programação inspirada no espírito inventivo de Leminski. Ao todo, 21 mesas literárias, com autores brasileiros e estrangeiros, acontecem no Auditório da Matriz, com transmissão pelo site, YouTube e canal Arte1.
A programação trata de temas urgentes como racismo, desigualdade, guerra, meio ambiente e crise climática, reunindo vozes como Marina Silva, Ilan Pappé, Ynaê Lopes dos Santos, Lilia Guerra e GauZ’.
A Flipinha e a FlipZona, voltadas ao público infantil e jovem, exploram o tema “Planeta Vivo”, com Denilson Baniwa, Roseana Murray, Gregorio Duvivier, o grupo Barbatuques e outros autores.
Casas parceiras ampliam o universo Leminski
Mais de 35 casas parceiras promovem atividades paralelas durante a Flip. A Casa Flip+ Motiva reúne 25 convidados em debates, oficinas e shows, com destaque para um painel dedicado aos gêneros literários sob influência de Leminski, reunindo nomes como Mar Becker, Joca Reiners Terron, Bruna Beber e Lilian Sais.
Já o Sesc, com três casas no centro histórico, aposta na diversidade: além de Adriana Calcanhoto, Leila Míccolis e Angélica Freitas, a programação destaca escritoras indígenas e amazônicas, como Sony Ferseck e Aliã Wamiri Guajajara.
A Casa da Cultura e o Cinema da Praça completam a experiência, com exibições gratuitas de filmes inspirados na literatura, rodas de conversa e lançamentos.
Morto precocemente aos 44 anos, Paulo Leminski deixou uma obra que se fortalece a cada geração. O sucesso editorial de Toda Poesia, em 2013, despertou jovens leitores para sua escrita sintética, carregada de lirismo e ironia. Agora, com o resgate de sua prosa, o autor ganha contornos ainda mais completos.
“A Flip ajuda a mostrar Leminski como ele era: múltiplo, indisciplinado, genial”, resume Ana Lima Cecilio, a curadora. “E neste ano ele é o norte de tudo”.
Matéria na íntegra: https://vermelho.org.br/2025/07/30/flip-2025-celebra-paulo-leminski-e-revela-nova-faceta-do-poeta-curitibano/
31/07/2025