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Ajuda inconveniente

 

Vamos deixar de lado o debate sobre se foi gafe da primeira-dama Janja ter cobrado do líder chinês Xi Jinping uma atuação oficial para controlar as ações do TikTok no Brasil. Ou se foi o presidente Lula quem começou o debate, e Janja apenas fez adendos, talvez enfáticos em excesso. Nesse ponto, não há misoginia nem machismo nas críticas. Foi um erro diplomático, pois Janja, ao contrário de ser uma “cidadã de segunda classe”, é uma primeira-dama que tem de saber quando e onde deve falar. É questão de cerimonial, não de machismo.

Fiquemos apenas no fato em si: o governo brasileiro está disposto a pedir intervenção da ditadura chinesa numa plataforma digital que atua no Brasil. Mais ainda: como que para realçar a importância da notícia, o presidente brasileiro encheu o peito para dizer que “o companheiro Xi Jinping” mandará ao Brasil um homem “de sua inteira confiança” para debater com os brasileiros a melhor maneira de controlar o TikTok e, por extensão, as redes sociais.

Seria risível, se não fosse triste. A resposta de Xi foi perfeita, do ponto de vista de um ditador. Aqui não temos a Meta, disse o chinês, segundo os relatos. Quer dizer, de uma tacada só o governo chinês baniu de seu território WhatsApp, Instagram e Facebook, de Mark Zuckerberg. O governo brasileiro poderia banir também o TikTok, está implícito na resposta. Ou regulamentar as redes sociais no país, com as regras que bem entender.

O grave aqui não é a resposta do líder chinês, mas a aceitação do governo brasileiro de que um enviado especial “de confiança” venha ao país para discutir o controle das redes sociais do ponto de vista de um governo autoritário. Não há dúvida de que precisamos regulamentar as redes sociais, que estão completamente sem controle efetivo. Esse controle, no entanto, não significa bani-las, mas comprometê-las com uma série de regras e regulamentos que as façam ter mais responsabilidade pelo que divulgam, assim como têm televisões, rádios ou jornais brasileiros.

Como o ciclo de notícias hoje é de minuto a minuto, e não de 24 horas, é preciso que as redes sociais se adéquem a esse ritmo, por elas mesmas imposto, não apenas para divulgar suas notícias e anúncios, mas também para ser responsáveis minuto a minuto pelo que colocam no ar. Não é possível não se sentirem responsáveis pelos desafios colocados nas redes pelas plataformas, alguns causando até mortes. Ou pelos crimes cometidos diariamente, de calúnia, difamação e outros que circulam livremente por essas plataformas. O problema é mundial, e cada país tenta resolvê-lo da melhor maneira possível.

A preocupação do casal Da Silva é, portanto, pertinente. Em países como a China, que controlam o Congresso, o sistema Judiciário e o noticioso, é mais fácil. Tira do ar o infrator, e pronto. Em países democráticos, como o Brasil ainda é, a solução é mais difícil. Na China há uma repartição governamental que trata da difusão de informações, digitais ou não, do ponto de vista técnico, além do jurídico. Nessa parte, as decisões são mais rápidas que em qualquer país democrático e, talvez por isso, enganosamente mais eficientes.

Mas a “tartaruga democrática”, como classificou um cientista político, conseguindo o consenso social, pode ser mais efetiva no longo prazo. Além do mais, há no mundo diversos modelos democráticos de regulação das redes sociais que podem servir de exemplo para a democracia brasileira. Ao contrário do que parece pensar o governo brasileiro, o Ocidente democrático ainda tem bons exemplos e conselhos a dar. O Oriente até pode servir de parâmetro noutras situações, mas não na democracia. Como sempre, chamar o governo chinês de ditadura deve render uma reclamação oficial. A China é tão democrática quanto era o Brasil durante o golpe militar de 1964. Todos os Poderes funcionavam, mas sob controle dos militares.

O Globo, 15/05/2025