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O grande nojo

 

Tive a impressão de que a mídia, sobretudo no segundo semestre do ano que passou, promoveu informalmente um estranho campeonato para saber quem ficou mais indignado, revoltado, enojado com a lambança que marcou a vida pública em geral, e o PT e o governo em particular.


Fiquei impressionado com a disputa, a busca de razões e adjetivos para vituperar a corrupção reinante. Ainda bem que 2005 acabou e todos esperam melhores dias, menos eu, que nunca espero nada de bom, muito pelo contrário.


Para iniciar 2006 e exorcizar o Grande Nojo que bivacou na mídia nacional, vou contar duas piadas que me parecem apropriadas para o caso. No que diz respeito à competição para sagrar o vencedor na categoria da indignação, lembro aquela história do português que foi ao show de uma cantora de boleros. (A piada é politicamente incorreta, sei disso.)


No final, a platéia pedia suas músicas preferidas, urravam nomes dos boleros que estavam em moda, "Hipócrita" , "Perversa", "Traidora", "Perfídia", "Vendida", "Insensível", "Alma em farrapos", "Diabólica", "Dama das ruas" etc. O português entusiasmado com a gritaria, superou-se e superou os demais gritando: "Filha da p...".


A segunda historinha é também musical. No início de uma ópera, o tenor foi vaiado na primeira ária do primeiro ato. A platéia gritou, atirou-lhe tomates, ovos e cadeiras. O tenor protegeu-se como pôde, e podia pouco. Mas antes de sair do palco avisou:


"Vocês não viram nada. Esperem pelo barítono!".


É o que me ocorre neste começo de ano. As desditas nacionais provocarão uma corrida aos dicionários para que os interessados se superem ao exprimir o Grande Nojo que continuará em processo. Ganhará aquele que, tal como o português da anedota, radicalizar e expressar o engulho que lhe entope a garganta e a dignidade cívica.


Quanto a 2006, volto ao caso do tenor vaiado no palco. Um mérito ele teve, avisando-nos para esperar pelo barítono que está entrando em cena.




Folha de São Paulo (São Paulo) 2/1/2006