Na semana passada, participei de duas mesas na Flip. Na primeira, organizada pela editora Record, falei sobre "Memórias Literárias" junto com Cecilia Madonna Young. Na segunda, organizada pela Folha, conversei com Carol Tilkian sobre "Envelhecer sem Tabus".
Contei que, nas minhas pesquisas, quando pedi: "dê um exemplo de uma pessoa que envelheceu bem?", Fernanda Montenegro foi citada, em primeiríssimo lugar, por homens e mulheres de diferentes gerações.
No seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (25 de março de 2022), Fernanda Montenegro declarou: "Sou atriz".
"Devo esclarecer que sou uma incansável autodidata, cuja origem intelectual, emocional, sempre me chegou e ainda me conduz através da vivência inarredável de um ofício: atriz. Sou atriz. Venho dessa mítica, mística arte arcaica, eterna, que é o teatro. Sou a primeira representante da cena brasileira, do palco brasileiro, a ser recebida nesta casa como acadêmica... Não se cumpre essa profissão sem devoção, sem obstinação, sem coragem".
Aos 95 anos, Fernanda Montenegro continua exercendo plenamente a sua vocação de atriz no teatro, cinema e televisão. "Quem é você?", perguntaram em um depoimento para o Museu da Televisão Brasileira (3 de junho de 1999).
"E eu sei? Eu sei que eu sou uma esquizofrênica, salva pelo teatro, salva pela minha vocação... Eu sei que eu sou muitas e a vida me deu a oportunidade de eu ser muitas. Então, eu esvaziei essa angústia do ser muito porque cada possibilidade que você tem de ir acertando ou errando, isso como jogo dramático, como permissão para você ser o que você quiser ser ou o que você se permite ser. Eu acho que isso é uma grande possibilidade de saúde, é uma grande possibilidade de salvação também". E concluiu com Clarice Lispector: "Eu sou mais forte do que eu".
Após ganhar o Emmy de melhor atriz, por seu papel em "Doce de Mãe" na TV Globo, Fernanda Montenegro deu uma entrevista para o "Fantástico" (1º de dezembro de 2013). Perguntaram se dona Picucha foi feita especialmente para ela, e ela disse que sim: "É uma velhinha maluca. Eu às vezes acho que sou uma velhinha maluca. Todo velho tem uma zona de maluqueira, eu acho".
"Você nasceu Arlette Pinheiro. Do que a Arlette gosta?", questionaram. Ela respondeu: "A Arlette é muito reservada. Tenho a impressão que é uma outra entidade. Ela gosta de não lamentar a vida". E afirmou que gosta muito de uma frase de Nelson Rodrigues: "Aprendi a ser o máximo possível de mim mesmo".
Arlette Pinheiro nasceu no dia 16 de outubro de 1929 em Campinho, um subúrbio do Rio de Janeiro. Mas quando, onde e como nasceu Fernanda Montenegro?
Em 1945, aos 16 anos, depois de um teste em que leu uma poesia, ela passou a fazer parte do elenco da Rádio MEC. Como tinha muitas funções na rádio, resolveu que, quando era locutora, seu nome seria Arlette Pinheiro, mas, quando redigia, seria Fernanda Montenegro. O sobrenome foi inspirado em um antigo médico da família, Montenegro, e Fernanda nos nomes franceses da literatura popular francesa, como Fernand. "Aí eu inventei esse nome e pegou", revelou.
Ao ser questionada: "O que você quer fazer muito?", respondeu: "O que eu quero? Eu não quero perder minha memória. Eu sou a minha memória".
Arlette Pinheiro é a prova mais concreta de que não se nasce Fernanda Montenegro: torna-se Fernanda Montenegro.
Matéria na íntegra: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/miriangoldenberg/2025/08/nao-se-nasce-fernanda-montenegro-torna-se-fernanda-montenegro.shtml
07/08/2025
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