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Síndrome de Herodes

 

Não sei se foram três ou quatro as crianças recém-nascidas rejeitadas pelas mães e atiradas em lagoas ou rios em diversos pontos do território nacional. Será um sintoma, uma síndrome de Herodes - aquele rei da Judéia que promoveu a matança dos inocentes para impedir que houvesse alguém que mais tarde o tiraria do trono?


Nada disso. Ao longo dos séculos, muitas crianças foram rejeitadas pelas mães. Até inícios do século 20, havia a roda dos expostos à porta de conventos, asilos, instituições pias. Algumas dessas crianças chegaram a ser importantes, deixaram o nome na história. Outras foram sacrificadas em rituais religiosos para aplacar pestes, fertilizar campos que não matavam a fome das aldeias - a história da humanidade é uma sucessão de feitos e desfeitos pouco edificantes.


Contudo os casos de agora são reveladores de uma mentalidade que, pouco a pouco, vai sendo oficializada não apenas nas camadas excluídas mas na franja superior da sociedade, onde há lucro em matar criancinhas indesejadas e assassinar impunemente valores humanos que trucidam a verdade e a moral.


Sem entrar no julgamento de valor que alimenta a polêmica sobre a legalização do aborto, a realidade é que, de tempos em tempos, surgem ondas de infanticídio, cemitérios clandestinos de recém-nascidos são descobertos aqui e ali, na Índia, na Europa e, por que não?, no Brasil.


Nem adianta culpar o governo, que não cria condições para que todas as mães tenham condições de criar os filhos. Nem a igreja, que condena o aborto, considerando-o uma forma de homicídio. Culpa-se a insensibilidade não apenas social mas pessoal do produto humano, independentemente de sexo, idade e condições econômicas.


Sempre que há oportunidade, e a polícia ou a mídia não se intrometem, a tendência humana é se livrar dos problemas que ela mesma cria e mantém: mata-se e rouba-se.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 4/2/2006