Não ia para aqueles lados há muito tempo. À direita do prédio em que moro, há uma rua que desemboca na Lagoa. No final dela, antes que uma curva a transforme em outra rua, tem uma fonte que, não sei por que, se chama "da Saudade".
Deu nome ao lugar, a uma dúzia de ruas e praças que se destacam do bairro maior, que é a Lagoa, e ficaram para sempre com este nome bonito: Fonte da Saudade.
Era ali que, durante uns 15 anos, eu levava a minha setter dourada, a mais que amada Mila, que gostava de ouvir o barulhinho da água e, quando eu bobeava, mergulhava na fonte - eu bobeava sempre, pois sabia que ela adorava se esponjar no remanso formado pela fonte.
Ontem, iniciei a caminhada pela Lagoa na direção de sempre, evitando a fonte e indo para os pedalinhos junto ao corte do Cantagalo. De repente, meu deu uma saudade brutal, um não sei quê que nasce não sei onde e dói não sei por que (estou citando um soneto de Camões). Mudei meus passos.
Subi a rua, ouvindo de longe o barulhinho da fonte. Mila apressava o passo, a carinha no ar, os olhos gulosos de um banho que sabia certo. Ela é que me guiava e eu me deixava guiar - nunca tive itinerário mais doce e, ao mesmo tempo, mais sábio.
A fonte continua a mesma, a mesma água, o mesmo remanso, o mesmo nome. Só então percebi que era realmente uma fonte de saudade, e ali fiquei, uma parte da manhã de sol, olhando aquelas águas que desciam do morro dos Cabritos, com um gosto de mato, cheiro de verde fresco e molhado e - por mais incrível que pareça - gosto de Mila.
Meu pai tinha cheiro de manga. As mulheres que amei tinham cheiros também, uma delas cheirava à terra molhada depois da chuva, talvez cheirasse à própria chuva, quando as chuvas têm cheiro.
Mila cheirava à Fonte da Saudade ou a Fonte da Saudade é que cheirava à Mila? Dava na mesma: eu estava sozinho.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 10/09/2002
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