Foram as palavras que tornaram a vida suportável para Ignácio de Loyola Brandão. Por isso, o título do novo documentário sobre o escritor de 89 anos, Não Sei Viver Sem Palavras, é mais do que apropriado. Dirigido por seu filho André Brandão, o filme está na seleção da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com exibições em 20 e 28 de outubro no Espaço Petrobras de Cinema, e deve entrar no circuito comercial em breve.
Loyola, colunista do Estadão e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), recebeu a reportagem em seu apartamento no bairro de Pinheiros, em São Paulo, onde mais de 18 mil livros estão espalhados por todos os cantos. “Eu não podia morrer antes de ver esse filme”, diz ele, cujas angústias diante da condição humana o levaram a escrever romances como Dentes ao Sol (1976) e Não Verás País Nenhum (1981). “Também não quero morrer antes de ver minha neta de dois anos crescer. Não tenho medo da morte, só não quero morrer”.
O documentário é enriquecido por registros de 38 rolos de filme Super-8, captados pelo romancista ao longo da década de 1970. As imagens históricas são entrelaçadas junto a mais de 20 horas de entrevistas contemporâneas com Loyola, incluindo sessões emotivas realizadas em sua cidade natal, Araraquara, no interior do estado. O tom poético é aprofundado pela inclusão de textos do escritor recitados pelo ator Gabriel Braga Nunes, primo de André.
“Foi uma combinação de querer contar uma grande história e de perceber que eu sempre soube que havia uma grande história na minha família. Tivemos essa ideia de tentar juntar o erudito ao pop para encontrar o filme essencial, que fosse sobre algo profundo, livros importantes da literatura, mas com dinâmica na montagem e na narrativa que o fizesse envolvente”, afirma o cineasta. “E também não ser um filme chato sobre teoria literária!”, acrescenta Ignácio.
A personalidade do escritor é captada com intimidade na película de 80 minutos. “Sou uma pessoa muito fechada. Falo de literatura por horas e horas, mas em família é um grande problema, uma grande aflição”, admite, sendo complementado pelo filho: “O filme é uma quebra dessa dureza”.
Além de fotógrafo, André também é engenheiro graduado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Em 2015, ele fez uma transição de carreira para o cinema. Agora, com a conclusão do primeiro grande projeto cinematográfico, o rapaz se estabelece na área que, curiosamente, era o sonho de infância de seu pai – que apaixonou-se por Rita Hayworth em Gilda (1946) e chegou a ser um figurante em O Pagador de Promessas (1962).
Atraído também pela palavra escrita, Ignácio começou carreira no jornalismo, como crítico de cinema, e logo percebeu que o mundo da fantasia lhe trazia mais conforto que os fatos. “Na ficção, eu podia entrar e narrar do meu jeito, como eu queria. A realidade, às vezes, é chata”, resume o veterano.
“Foi muito importante trazer a camada de leitura dos trechos dos livros, porque eu penso que uma das características da vida do meu pai é que não há muita diferença entre realidade e ficção”, pontua André.
A inventiva obra do literato, cristalizada em mais de 50 livros publicados, é revisitada com leveza e provida de contexto histórico, como no caso do clássico Zero (1975), proibido em todo o País pela ditadura militar e que virou símbolo de resistência. “Eu sofri muito com aquela censura, mas acho que hoje a censura é muito maior. As redes sociais a exercem de forma absoluta e te cancelam. Há algo estranho nesse mundo. É mais difícil escrever hoje, tenho que tomar muito cuidado”, opina.
Em tempos de guerras e transtornos globais, pai e filho demonstram preocupações com o futuro. “A humanidade vai acabar?”, questiona Ignácio, antes de ele mesmo responder: “Eu não sei. É o que me leva a escrever”.
André, por outro lado, afirma ter se apegado ao “universo da espiritualidade” para compreender o incompreensível. “O que não está em crise atualmente? A política, a economia, o planeta... Mas, falando do hinduísmo, a flor de lótus nasce da lama. Então, eu acho que existe um processo na vida desse equilíbrio do lado trágico e do lado luminoso”.
Matéria na íntegra: https://www.estadao.com.br/cultura/cinema/ignacio-de-loyola-e-tema-de-documentario-feito-pelo-filho-eu-nao-podia-morrer-antes-de-ver/
21/10/2025