Ao assumir a Cadeira 35 da Academia Pernambucana de Letras, na vaga deixada pelo brilhante escritor Marcos Vilaça, escolhi como tema o título em epígrafe. Sempre que possível, pretendo tratar deste assunto, movido pela ideia-força de incentivar, em Pernambuco, a preservação de nossa cultura, tanto material quanto imaterial.
Na minha trajetória de gestor público, o primeiro cargo que ocupei foi o de presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), entidade vinculada à Secretaria de Turismo e Cultura do Estado.
Ali tive o privilégio de trabalhar sob a liderança do poeta e acadêmico Francisco Bandeira de Mello, o querido Bandeirinha: um gestor admirável, não apenas pelo vasto conhecimento, mas também pela liderança gentil e educada e pelo caráter ilibado. Honra e ética colocadas a serviço do nosso Estado.
Aprendi, desde cedo, a importância de restaurar monumentos, sobrados, casarões, igrejas e fortes — sempre procurando dar uso adequado ao imóvel recuperado, pois tanto o mau uso quanto o desuso representam graves inimigos da preservação.
Alguns exemplos tornaram-se notáveis pelo êxito e pela possível perenidade de suas ações. Um deles foi o da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Vila Velha, situada às margens do Canal de Santa Cruz, ao sul de Itamaracá, cuja origem remonta ao século XVI, segundo a tradição local.
Na Igreja foi criado um centro de produção de artesanato que destacava a atividade das doceiras de Itamaracá. Em uma só iniciativa, consagramos a cultura material — pela restauração da igreja — e a cultura imaterial — pelo fortalecimento do artesanato —, além de gerar um ponto turístico muito demandado, especialmente pelos próprios pernambucanos.
Outra experiência marcante deu-se por ocasião das comemorações do centenário do poeta Manuel Bandeira, autor do célebre poema Vou embora pra Pasárgada. Em 19 de abril de 1986, inauguramos o Espaço Pasárgada, após a restauração da casa situada na Rua da União, 263, imortalizada no poema Evocação do Recife por ter sido residência do avô do poeta e cenário de momentos significativos de sua infância.
A concepção do espaço nasceu da criatividade de Audálio Alves e Fernando Araújo, que imaginaram, com sensibilidade e profundo amor pela pernambucanidade, um centro cultural dedicado à memória bandeiriana.
A arquiteta Dalva Regina Vila Nova Ferreira assumiu o projeto arquitetônico, enquanto Flávio Rodrigues conduziu as obras de engenharia. A casa — jamais esquecida por Bandeira — foi tombada pelo Governo do Estado e posteriormente adquirida pela Fundarpe, graças à generosidade da então proprietária, Mariana Livramento Carneiro da Cunha, e ao empenho do procurador Carlos Alberto da Silva.
O Espaço Pasárgada, restaurado, mobiliado e devidamente instalado, passou a reverenciar a memória do poeta, ao mesmo tempo em que abriu caminhos para múltiplas atividades: serviço de informação, cadastro de poetas pernambucanos vivos e falecidos, mostra permanente de poesia produzida no Estado, galeria de Manuel Bandeira e de outros poetas, com fotos, documentos e relíquias, além de uma oficina tipográfica aberta àqueles que desejassem imprimir livremente suas obras.
A entidade, como se vê, propôs-se a colocar a poesia ao alcance do povo e a estimular a criação literária. O Espaço Pasárgada recebeu, à época, reconhecimento nacional, sendo destacado como empreendimento pioneiro no País.
Cito ainda, a título de exemplo, a restauração da Casa de Oliveira Lima, outra obra realizada sob a égide da Fundarpe durante minha gestão. Projetada por seus técnicos, a intervenção adequou o monumento a três funções distintas: (a) continuidade da sede do Conselho Estadual de Cultura; (b) implantação de um museu-ambiente representativo de uma residência patriarcal urbana do Recife oitocentista; e (c) instalação de uma biblioteca especializada em obras de referência sobre Pernambuco.
Atualmente, o edifício abriga os três conselhos ligados à Secretaria Estadual de Cultura: o de Preservação do Patrimônio Cultural, o de Ação Cultural e o de Audiovisuais.
Percebe-se, com nitidez, que esses três monumentos citados se mantêm ativos e bem conservados justamente porque estão ocupados e têm funções definidas, sendo o uso deles o segredo à preservação.
Registro, mais uma vez, um apelo que venho reiterando há anos: Pernambuco, tão rico em valores culturais, precisa instituir, nas escolas estaduais e municipais, a disciplina de educação patrimonial.
Quanto à cultura imaterial — verdadeira argamassa da sociedade —, seu segredo reside no fomento e na difusão. O Estado dispõe de mecanismos importantes de preservação, como o Funcultura e o programa Patrimônio Vivo. As manifestações folclóricas, em especial as relacionadas aos grandes ciclos — Carnaval, São João e Natal — continuam a merecer atenção dos poderes públicos.
Soma-se a isso as Leis Aldir Blanc e a Paulo Gustavo, que chegou em hora oportuna para impulsionar ações culturais, com ênfase especial na cultura imaterial, além da Leis Rouanet e a de Audiovisual.
Preservar o patrimônio histórico é defender a nacionalidade!
Roberto Pereira, membro efetivo e benemérito do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano; do Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Goiana; da Academia de Artes e Letras de Goiana; da Academia Brasileira de Eventos e Turismo; e da Academia Pernambucana de Letras.
Matéria na íntegra: https://jc.uol.com.br/opiniao/artigo/2025/11/23/em-defesa-da-cultura-e-da-preservacao-do-patrimonio-historico.html
24/11/2025