A obra "Trincheira Tropical" é um registo sobre o impacto da II Guerra Mundial no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro, e não mais um livro militar sobre a participação do país no conflito, explicou o autor à Lusa.
Ruy Castro, jornalista e escritor, autor de inúmeras biografias, como as de Carmen Miranda e do futebolista Garrincha, declarou à Lusa que já existiam diversos livros sobre o Brasil na II Guerra Mundial, mas, pelo contrário, não existiam obras sobre o impacto do conflito nesta nação lusófona da América do Sul.
"Queria fazer justamente o contrário: um livro sobre a guerra no Brasil e, em particular, no Rio [de Janeiro], que era a capital do país, a porta de entrada, a principal metrópole, o centro diplomático e militar, a população mais esclarecida, a `meca` dos refugiados, um ninho de espiões e contra-espiões. Além disso, essa História nunca tinha sido contada", reiterou o jornalista brasileiro e autor de "Trincheira Tropical: A Segunda Guerra Mundial no Rio".
O período temporal desta reconstituição histórica é de 1935 a 1945, data do fim da II Grande Guerra. O escritor demorou seis anos a investigar fontes para este trabalho, mas, desabafou, já tem saudades dessa fase.
"Utilizei perto de mil livros, incluindo memórias de diplomatas, escritores, jornalistas, juristas, políticos, empresários, militares e até de senhoras da sociedade carioca da época. Qualquer livro de 1940 para cá, contendo uma informação, mesmo pequena, sobre o que aconteceu no Rio daquela época por causa da guerra, me seria útil", frisou o investigador.
Por outro lado, consultou também toda a imprensa local nesse período.
"O Rio tinha 17 jornais diários e umas 20 revistas semanais", citou.
O biógrafo ressalvou que os meios de comunicação social "viviam sob brutal censura política, mas não podiam ser impedidos de tratar do dia-a-dia da população".
Para Ruy Castro, "as três forças que entrariam mundialmente em combate em 1939 - o fascismo, o comunismo e a democracia - já estavam em conflito no Brasil desde 1935".
"Nesse período tivemos aqui incontáveis confrontos de rua, uma rebelião militar e uma tentativa de golpe de Estado e de assassínio do ditador [Getúlio Vargas], com mortes para todos os lados. Em vários momentos daqueles primeiros anos, o poder no Brasil foi disputado por aqueles dois extremos [comunismo e fascismo]. Em 1937 acabamos caindo num regime autoritário, que só terminou em 1945, com o fim da guerra e por causa dela", contextualizou.
Na opinião do autor, Getúlio Vargas, que até 1941 estava do lado das Forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), ao perceber que a Alemanha não conseguiria vencer a II Guerra, passou a apoiar o lado das Forças Aliadas e a enviar alimentos e matéria-prima para a Europa, assim como soldados brasileiros para o norte de Itália.
"Getúlio (...) admirava Hitler, Mussolini e Salazar. Mas o que lhe interessava era o poder. Para conservá-lo, ele ficaria ao lado de quem ganhasse", disse.
Esta mudança de posição fez com que navios brasileiros passassem a ser abatidos por submarinos alemães, o que provocou fenómenos como o racionamento de produtos no Brasil, porque os meios de transporte marítimos eram cruciais no país.
Na perspetiva de Ruy Castro, "deu-se então a contradição: os Estados Unidos lutando contra as ditaduras fascistas na Europa e apoiando uma no Brasil".
"Com o envio dos nossos 25.000 soldados para a Itália, tínhamos aqui o fascismo de dentro combatendo o fascismo de fora", criticou.
"Da guerra em diante, começámos a nos tornar um dos países mais americanizados do mundo, senão o mais", refletiu o autor, que contou como o simples ato de beber pelo gargalo de uma garrafa, principalmente de uma Coca-Cola, se tornou comum.
Em suma, Ruy Castro disse acreditar que, ao lerem o livro - disponível em Portugal desde 18 de setembro -, os portugueses "sentir-se-ão mergulhados num Brasil que não conheciam", o que "o enche de orgulho".
Fonte: https://www.rtp.pt/noticias/cultura/trincheira-tropical-regista-o-impacto-da-ii-guerra-mundial-no-rio-de-janeiro_n1686750
30/09/2025