Sete Vezes Miriam
Antonio Carlos Secchin
Há exatos 26 426 dias, um anjo maroto, desses que vivem em Minas, disse à recém-nascida: “Vai, Miriam, pintar o sete na vida”. Ela, a sexta dos 12 filhos de Uriel e Mariana, deve ter estranhado a lógica de um anjo pedindo diabruras, e tratou, então, de pintar o sete de outro modo: adotar o número, ou ser por ele adotada, enchê-lo de brilho, iluminá-lo para que ele fulgurassem sua vida.
Como talvez alguns saibam, não sou muito atento a números, mas às vezes eles se impõem.
Senão, vejamos: Miriam nasceu em Caratinga num 7 de abril, que, não por acaso, é o Dia Nacional do Jornalista. Mãe de Vladimir e de Matheus, com “th”, para que o nome contivesse sete letras, e nascido em...77. A mulher que a antecedeu na cadeira, Dinah Silveira de Queirós, foi sua sétima ocupante e tomou posse, em 1981, exatamente no mesmo dia, 7 de abril, do nascimento de Miriam. A nova acadêmica obteve votos de 21 acadêmicos (3 vezes 7), e, como os senhores talvez já estejam desconfiando, foi eleita para a cadeira de número 7. Ainda bem que não esperou chegar aos 77 anos para se candidatar à Academia. Portanto, a cerimônia desta noite apenas corrobora que ela conseguiu pintar o 7 de maneira irretocável.
A cadeira, cujos ocupantes terão daqui a pouco suas trajetórias belamente descritas por Miriam, é, como todas as outras 39, saudavelmente plural, o que não impede que vislumbremos em alguns de seus integrantes um traço unificador: a preocupação com as injustiças sociais do país.
É o caso do patrono Castro Alves, que, além do constante combate à escravização dos povos de origem africana, pedia “livros, livros à mão cheia” e valorizava o papel da imprensa como instrumento de formação da cidadania.
É também o caso do segundo ocupante, Euclides da Cunha, na denúncia da inaceitável disparidade entre o norte e o sul do país, e entre o litoral e o interior, conforme denunciou na epopeia de Os Sertões, de 1902.
É o caso dos dois antecessores imediatos de Miriam Leitão, os cineastas Nelson Pereira dos Santos e Cacá Diegues, intérpretes do Brasil pela via das imagens, em obras clássicas como Vidas secas (1963), de Nelson e Bye bye, Brasil (1979), de Cacá.
A unir todos eles, a especial atenção concedida à grande parcela da população brasileira constituída pelos marginalizados, pelos excluídos, pelos silenciados, cujo direito à voz corresponde a um imperativo ético e a uma constante demanda de reparação histórica.
A esse elenco de intérpretes atentos à realidade, aos sonhos e aos impasses do país se integra Miriam Leitão, com seu olhar ao mesmo tempo crítico e esperançoso.
Publicou 16 livros. Na imprensa, chegou aproximadamente ao portentoso número de 16 mil artigos. Em seu sítio mineiro, plantou 32 mil mudas. Temos, portanto, a média de duas mudas para cada fala, palavras e plantas reveladoras da escritora e da ambientalista, que marcaram encontro em dezenas de textos.
Essa mineira quase capixaba iniciou a carreira jornalística em Vitória. De quase em quase, aliás, observe-se que o Estado do Espírito Santo continua virgem de representação, ao longo dos 128 anos da ABL, a despeito da excelência literária de um Rubem Braga, de um José Carlos Oliveira.
Em Vitória, uma das primeiras matérias da jovem repórter consistiu numa entrevista com Dona Rosa, considerada “vidente oficial da cidade”.
Uma cartomante não é obrigada a acertar; cabe-lhe apenas profetizar, o que já acende alguma esperança em corações desamparados. Como sabemos, as cartas não mentem só de vez em quando; porque, no geral, mentem bastante. Porém, não foi o que então sucedeu, pois Dona Rosa declarou: “Tu és braba. Mas só da boca pra fora. Lá dentro é boa de fazer dó”. Braba...? Será que os entrevistados televisivos de Miriam concordam com Dona Rosa?
No que respeita à exposição de dados biográficos, e para valer-me do termo de sua especialidade, direi que Miriam é bastante econômica. Nas escassas 20 linhas das orelhas de livros, ela costuma reportar apenas sua naturalidade, os principais títulos e prêmios, e arremata com a nomeação da família. Espaço exíguo, mas onde cabe por inteiro o afeto a Sérgio Abranches, Vladimir, Matheus, Rodrigo, Mariana, Daniel, Manuela e Isabel.
Assim, ficamos nós sem saber que Miriam gosta da madrugada e do silêncio, ocasião e ambiente propícios para a leitura e para a escrita. Gosta das águas, herança/lembrança dos poderes da mãe, mulher que adivinhava as tempestades. Ficamos sem saber de seu retorno ao Rio de Janeiro, como colaboradora da coluna do Zózimo, no Jornal do Brasil. Tampouco somos informados de uma demissão injusta, que lhe causou enorme sofrimento e, em sentido oposto, também não ficamos cientes da acolhida e da importância de Zuenir Ventura na consolidação de sua vida profissional.
Se Drummond escreveu o “Poema de sete faces”, é válido, na esteira do poeta, falarmos das sete faces de Miriam Leitão: a jornalista, a ficcionista, a autora de livros infantis, a feminista, a repórter, a cronista, a ambientalista. Seu extraordinário sucesso como jornalista – a ´ponto de ter recebido o Prêmio Maria Moors Cabot, da Universidade Columbia – não nos deve levar à desconsideração de sua qualidade em outros domínios.
Podemos dividir sua produção em dois grandes compartimentos: o da ficção e o da não ficção. Ambos, por sua vez, se subdividem.
Ficção para público infanto-juvenil, com oito títulos, e para público adulto, com o romance Tempos extremos.
A não ficção alterna obras compostas por seleção de colunas, por reportagens ou por ensaios.
Para quem escreve desde cedo, a estreia em livro foi relativamente tardia: o ano é o de 2010, no volume intitulado Convém sonhar. Suas 502 páginas reúnem textos publicados a partir de 1991, distribuídos em 10 seções.
Não é casual que alguém tão afeito à realidade concreta tenha incluído no título da obra o verbo “sonhar”: Miriam sonha, sim, mas com olhos abertíssimos. A coletânea estampa alguns de seus temas prediletos: além da economia, a política, o meio-ambiente, a situação da mulher, o combate ao racismo, a literatura, o afeto da família.
Convém sonhar se abre com dedicatória à memória dos pais: ela, professora da rede pública, ele, pastor presbiteriano e educador. A penúltima e a última crônica recordam as figuras de Mariana e Uriel. Atam-se desse modo a página inicial e as páginas finais, pela comum presença, nelas, da mãe e do pai.
A defesa da democracia é veemente, conforme lemos em “O mal absoluto”, coluna datada – não à toa – de 31 de março de 2004, quadragésimo aniversário do golpe militar:
“Não há lado bom no regime que foi instalado pela força /.../ e tomou do Brasil 21 anos. O custo econômico foi astronômico e as escolhas, erradas. O arbítrio é um mal absoluto. Que as futuras gerações jamais se esqueçam disso.”.
No mesmo diapasão claro e incisivo, marca de seu inconfundível estilo, podemos colher trechos de um discurso afirmativamente ambientalista, antirracista e feminista:
“[A Terra] pode continuar vagando no espaço sem oxigênio; ela pode rodar em torno de si mesma/.../ sem gelo, sem floresta, sem água, sem vida. A ameaça está sobre nós./.../Sejamos apenas práticos; não se destrói a única casa na qual se pode morar”.
“Ninguém proíbe que negros frequentem restaurantes finos ou lojas elegantes, mas a clientela nem se dá conta da anomalia que é ser assim tão monocromática num país multirracial”.
“Eu gosto de ser mulher. Gosto de batom, salto alto e meia fina./.../ Discordo dos mitos tratados como fatos, como `mulher é sentimento e homem é razão´. /.../razão e sentimento [são] atributos do ser humano. Fico espantada com a facilidade com que tantas mulheres abrem mão, ainda hoje, da identidade e do nome próprio”.
No ano seguinte, 2011, lança seu primeiro livro-reportagem: Saga brasileira – A longa luta de um povo por sua moeda, ganhador do grande Prêmio Jabuti de Livro do Ano, categoria não ficção.
Observemos as pontas desta e de outras obras de Miriam, ou seja: o espaço inicial das epígrafes, dedicatórias, e os agradecimentos finais. As extremidades muito revelam o centro de afetos da escritora. O volume é dedicado aos filhos – a família sempre ocupa lugar de destaque; a epígrafe é de Cecília Meireles, demonstrando o apego e o apreço de Miriam à poesia; e, na conclusão, os agradecimentos se estendem por cinco longas e generosas páginas, para que ninguém fosse omitido do grupo de interlocutores que com ela colaboraram no desafio de apresentar a saga da moeda brasileira na criação do real, desde os antecedentes frustrados até a vitória do novo plano. Em nota introdutória, sabiamente, Miriam declara: “[A estabilidade monetária] jamais será um fim em si mesma, mas o ponto a partir do qual o país constrói seu futuro”.
É exatamente sobre tal país em construção que se debruça o livro seguinte: História do futuro (2015) – não, evidentemente, segundo as cartas ou a bola de cristal, mas por meio de propostas embasadas em reportagens, reflexões e entrevistas, num espectro de ampla abrangência: educação, economia, saúde, meio-ambiente, tecnologia, espaço urbano. Miriam desenvolve uma visada prospectiva, bem diversa da urgência da coluna diária. Se atentarmos outra vez para as partes extremas da obra, lá estarão: a dedicatória, agora ao marido Sérgio Abranches; extensas três páginas de agradecimentos; e a epígrafe poética, desta feita com versos de T.S.Eliot: “O tempo presente e o tempo passado/ Estão ambos, talvez, presentes no tempo futuro.”
Mas “o presente é tão grande, não nos afastemos, / não nos afastemos muito”, diria um poeta. E é da cena contemporânea que se ocupam duas obras subsequentes: A verdade é teimosa, 2017, e A democracia na armadilha, 2021. Ambas constituídas por uma seleta de colunas relativas, respectivamente, ao processo que culminou no impeachment de Dilma Rousseff , e ao esgarçamento do tecido democrático na presidência de Jair Bolsonaro.
No primeiro, ela aponta as falhas na condução da economia brasileira. Registra: “Não há governo que pare em pé quando o governante provoca grave crise econômica. /.../Aprendemos da forma mais dura que não vale a pena contrariar a verdade. Ela é teimosa”.
Em A democracia na armadilha, o subtítulo é revelador: crônicas do desgoverno. Miriam lançou um olhar minucioso na detecção e no exame das ameaças de ruptura da ordem democrática, ameaças que, infelizmente, continuam a nos rondar. Daí o seu alerta: “Seria preciso olhar para o futuro e fortalecer as bases do pacto civilizatório feito ao fim da ditadura militar. A preciosa democracia, dolorosamente conquistada, será mais forte quanto mais avançarmos no sonho de reduzir as nossas profundas desigualdades”.
Miriam foi fortemente criticada, tanto pela esquerda, quanto ao livro de 2017, quanto pela extrema-direita, pelo livro de 2021. Isso, a meu ver, se constitui, indiretamente, num grande elogio à jornalista, que, desagradando aos dois lados, comprovou a independência do seu pensamento.
É de 2023 Amazônia na encruzilhada – o poder da destruição e o tempo das possibilidades. Mais um livro-reportagem, envolvendo pesquisa, entrevistas com cientistas e líderes indígenas, viagens in loco pré- e pós-pandemia, a última delas feita expressamente para servir de base a um documentário. Esteve na Amazônia com o fotógrafo Sebastião Salgado, que registrou uma imagem em que ela praticamente se funde à paisagem, vegetal e vertical como um tronco. Esse livro rendeu a Miriam, em 2024, o prestigioso Troféu Juca Pato, da União Brasileira de Escritores. Aliás, das seis últimas atribuições do prêmio, nada menos do que três contemplaram membros da ABL. Além de Miriam, ganharam o Troféu: Ignacio de Loyola Brandão, em 2019, e Ailton Krenak, em 2020.
Na cerimônia de premiação, Miriam voltou a evocar a família, na figura da querida irmã Beth, falecida meses antes, no mesmo passo em que celebrou a força transformadora dos livros.
No campo da ficção, avulta a vertente da literatura infantil, integrada, como dissemos, por oito títulos. Do inaugural, de 2013, A perigosa vida dos passarinhos pequenos, ao recentíssimo, de 2025, Lulli, a gata aventureira, atravessam sua obra questões cruciais, que demandam delicadeza de trato. A superação do preconceito racial, em Flávia e o bolo de chocolate. A importância da ancestralidade, em As aventuras do tempo. O domínio das palavras, em A menina do nome enfeitado. O estresse urbano em O estranho caso do sono perdido. A indagação sobre o que vem após a vida, em O mistério do pau oco. A convivência pacífica de etnias diversas, em O menino que conhecia o fim da noite.
Em alguma medida, tais livros comportam traços autobiográficos. A perigosa vida dos passarinhos pequenos, dedicado aos netos, narra as etapas de reflorestamento do sítio mineiro de Miriam, numa iniciativa que trouxe de volta, gradativamente, seus habitantes alados, com o registro de 156 espécies de aves.
A escritora é tia-avó de Lulli, portadora da síndrome do Cri-du-chat, que, tornando a menina especial, nem por isso a tornou menos amada, com suas etapas de desenvolvimento regidas por um ritmo diferente do de outras crianças.
Na ficção adulta, seu romance Tempos extremos foi finalista do Prêmio São Paulo 2014. Num clima de opressão, a narrativa mescla temporalidades, ao aproximar os traumas gerados pela ditadura militar aos dramas das assombrações de escravizados, tendo como ponto de partida uma reunião familiar numa velha fazenda de Minas. Para o crítico José Castello, trata-se de “Um romance /.../ escrito com leveza, que caminha na direção oposta à do áspero noticiário econômico que Miriam é levada a manipular em seu cotidiano”.
Há nesse livro uma epígrafe de Vargas Llosa: “Sonho lúcido e fantasia encarnada, a ficção nos completa – a nós, seres mutilados, a quem foi imposta a dura dicotomia de ter uma única vida, e os apetites e fantasia de desejar outras mil”, citação que poderia igualmente ter aberto a posterior coletânea de crônicas Refúgio no sábado, de 2018.
Trata-se de um conjunto de textos descompromissados com o “áspero noticiário econômico”, e representa, na obra de Miriam, uma sedutora ilha de devaneios situada para além do continente da contingência. Crônicas criadas nos fins de semana, para o blog do filho, não para a coluna do jornal.
De propósito, não incluí a obra nem na rubrica de ficção, nem na de não ficção. Autoficção, talvez, no território próprio da crônica literária, onde o “eu”, recalcado em outras produções, agora avulta, soberano, na fronteira flutuante entre o peso da realidade e a leveza da pura imaginação.
Nada menos do que 99 das 102 crônicas são escritas na primeira pessoa do singular. Quando indaguei a Miriam quem seria o misterioso personagem anônimo de “O caderno japonês”, raro relato sem as marcas da primeira pessoa, ela me respondeu: “Também sou eu, só que disfarçada em terceira pessoa”.
Para nosso deleite, cito algumas frases extraídas do livro, demonstrativas da sofisticada fatura desses textos.
Às vezes as crônicas se iniciam de maneira assemelhada a um conto ou romance:
“O passado me olhou de longe, quando cheguei para pegar o trem da Central”.
Ou:
“Era branco o cavalo que ficava parado na frente da casa em que minha irmã, Ana, se abrigara com sua tristeza”.
São especialmente bem construídas as considerações acerca da literatura, da criação e da leitura. Exemplos:
“É sempre bom duvidar da ficção, ela pode ser uma verdade escondida”.
“Escrivatura. Essa foi a palavra que inventei para esse ato [da criação] que pede /.../ a paixão do ofício e a disposição de servir a um senhor caprichoso e detalhista”.
“Entrarei no livro como quem abre uma porta para uma enorme morada, há muito esperada, e atravessa corredores, descobre cantos e recantos, esconde-se nos umbrais, debruça-se sobre janelas”.
“Ouvi o silêncio e o que ele me disse foi devastador. O silêncio é pior do que as palavras duras, porque é possível instalar nele todos os medos”.
Sobre a poesia, uma reflexão lapidar:
“Quando um poeta morre as palavras ficam órfãs”.
Do mesmo modo, eu diria que o poeta é um órfão diante das palavras ausentes da folha em branco, até que elas venham acudir em seu socorro.
Noutro passo, ela declara: “A dúvida é mais permanente que a certeza”.
Disso não tenho dúvida. Como também estou certo de que é primorosa a crônica “Dias espessos”, que assim começa:
“Acordei neste sábado como se parte de mim tivesse ficado presa aos dias anteriores. Como se, por alguma mutação da matéria, a velocidade da viagem no tempo fosse diferente para cada pedaço do meu corpo”.
Façamos, então, uma viagem no tempo, em busca do corpo perdido. Regressemos à cidade de Vitória, nos primeiros anos da década de 1970. Neste momento Miriam está acabando de deixar a casa de Dona Rosa.
Se a vidente acertou em alguns vaticínios, num outro falhou, ao não prever o futuro próximo da jornalista: em dezembro de 72, Míriam seria capturada pelos agentes da ditadura.
Ela atuava no movimento estudantil, desarmada, pichando muros, distribuindo folhetos contra o regime militar. Aos 19 anos, grávida do primeiro filho, Vladimir, foi presa, fichada e torturada.
Sentiu no corpo a iminência da morte.
Em 2017, Matheus Leitão narrou a prisão e a tortura de Miriam e de seu companheiro Marcelo, na obra Em nome dos pais. Após o fim da história, ela acrescentou um comovente texto de agradecimento ao filho. É seu único poema até hoje publicado em livro:
“o mundo /.../ era trágico e belo/ como uma paisagem perfeita depois do despenhadeiro./Eu quis andar sobre as águas/ e assim me afastar do que me aprisionava”.
Por longo período Miriam conservou para si, em silêncio, a dor do arbítrio e do inferno, até decidir torná-la pública numa corajosa entrevista em 2014.
Eis um trecho de seu depoimento:
“Fiquei 48 horas sem comer. Eu entrei no quartel com 50 kg de peso, saí três meses depois pesando 39 kg. Eu cheguei lá com um mês de gravidez, e tinha enormes chances de perder meu bebê.
Um dia achei que iria morrer. Entraram no meio da noite na cela do forte para onde eu fui levada após esses dois dias. Falaram que seria o último passeio e me levaram para um lugar escuro, no pátio do quartel, para simular um fuzilamento. Vi minha sombra refletida na parede branca do forte, a sombra de um corpo mirrado, uma menina de apenas 19 anos. Vi minha sombra projetada cercada de cães e fuzis, e pensei: `Eu sou muito nova para morrer.´.
O que eu sei é que mantive a promessa que me fiz, naquela noite em que vi minha sombra projetada na parede, antes do fuzilamento simulado. Eu sabia que era muito nova para morrer. Sei que outros presos viveram coisas piores e nem acho minha história importante. Mas foi o meu inferno. Tive sorte comparado a tantos outros.
Minha vingança foi sobreviver e vencer”.
Miriam sobreviveu e venceu.
Dona Rosa que me desculpe, mas não conseguiu enxergar muito longe. Não anteviu a celebração da vida contra a treva e o terror, aos 8 dias do mês de agosto de 2025. Noite de consagração e de congraçamento, no júbilo da Academia ao receber e abraçar Miriam Leitão.
Portanto, neste momento, eu assumo a função de profeta, e prevejo que, agora unidas, a Casa de Machado e Miriam Leitão serão felizes para sempre.