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Cuba sem Fidel

 

Fidel Castro, depois de 50 anos no comando de Cuba, anuncia que seu corpo não mais suporta a sua vontade, que seria de ficar no poder até "o desenlace adverso" de que ele fala em sua carta de renúncia. Invocou o nosso glorificado Oscar Niemeyer para dizer que devemos perseverar até o fim.


Sua longa permanência no cargo se deve, em grande parte, aos acordos feitos por Kruschev com Kennedy. A então União Soviética, para retirar os foguetes com ogivas atômicas de Cuba, exigiu dos Estados Unidos a retirada de armas nucleares da Turquia e o compromisso de não invadir Cuba. Com essa garantia, Fidel pôde tomar todas as atitudes de hostilidade que tomou contra os Estados Unidos, tentar exportar a revolução para o continente e para a África, onde fez desembarcar tropas cubanas para ajudar o MPLA, movimento de independência de Angola.


A América Latina pagou um alto preço no contexto da Guerra Fria. Montaram-se, para enfrentar e resistir ao avanço do comunismo, regimes militares que acabaram com instituições democráticas e levaram muitos países, inclusive o Brasil, a um período longo de autoritarismo. Também, no rastilho dessa convulsão ideológica, surgiram as guerrilhas que resultaram no Peru, no Sendero Luminoso; no Uruguai, no Tupamaros; na Argentina, nos Montoneros; na Colômbia, nas Farc etc., com ramificações que em cada país teve uma conotação diferente - mas sempre um chamamento aos ideais da revolução cubana, cujo marco romântico foi o martírio de Che Guevara na Bolívia.


Na América Central, com a crise da Nicarágua, chegou-se também à beira de uma invasão americana, que não ocorreu pela ação diplomática do Grupo de Contadora e a participação neutralizante dos presidentes da época, entre os quais Alfonsín e eu.


Fidel sobreviveu até o desmoronamento do murro de Berlim e o fim do comunismo. Permaneceu como o último baluarte ideológico da Guerra Fria.


Ele entrou como um mito igual a Bolívar na História das Américas. Usou mão-de-ferro para sobreviver. Conseguiu acuar os Estados Unidos, limitando suas ações imperiais.

Sua renúncia vira uma página da História. É o fim de um ciclo, no qual ele teve a capacidade de chegar, influindo em sua própria transição. O que vem pela frente ninguém sabe. O que se sabe é que seu nome, para amigos e inimigos, é tão forte que nem a morte apagará.


Jornal do Brasil (RJ) 22/2/2008