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da velhice com rabeca

 

Muito se tem falado em política e em valores morais nestes últimos meses. Esse é um tema permanente na atividade pública. Alceu Amoroso Lima, no prefácio que escreveu para "O Homem e o Estado", estudos coordenados por Alejandro Bugallo, disse que a política não é uma solução total do destino humano, mas "uma condição para essa solução", acrescentando na citação de Walter Lippman que "o homem é um animal ingovernável".


Em cada momento, em cada tempo, em cada século, em cada ano, na experiência mesmo do espaço de nossas vidas, vamos sedimentando idéias, conceitos, práticas e caminhos de encontrar e de resolver a situação do mundo, a começar por nossas cidades, por Estados, países, continentes.


A longa vida nos faz, com os anos, saber que o que pensamos já foi pensado e que as nossas soluções já foram testadas e, mais ainda, que o tempo que vivemos, em algum momento, já foi vivido. Daí porque a velhice traz um pouco de contemplação e de compreensão.


Bobbio, de quem outro dia o senador Jefferson Péres me recordou seu livro sobre a tranqüilidade - "O Elogio da Serenidade e outros Escritos Morais" -, escreveu outro sobre a senectude, aqui traduzido como "O Tempo da Memória". Ali, ele diz que a velhice é um tema não-acadêmico. "Falo como velho, e não como professor". A experiência vivida, que sempre preocupou os pensadores na linha memorável de Cícero, que abriu caminho e escreveu o mais profundo livro sobre o assunto, "De Senectute", nos ensina a não achar, em momentos de dificuldades, que o mundo vai acabar. Sou tentado a falar também de velhice e de amor. Não sei quem me disse que o amor é uma coisa tão eterna que devia ser descoberto somente na velhice, para morrer conosco, e não atributo da juventude, que o torna passageiro. Gabriel Garcia Márquez escreveu um livro belíssimo sobre o amor dos velhos, "O Amor nos Tempos do Cólera", aquele romance que corre belo nas águas do rio Madalena. Por sinal, também escreveu um dos piores livros sobre o tema, "Memórias de Minhas Putas Tristes", livro de circunstância, que não está à altura do seu gênio. O nosso Gabo não soube como terminar o livro e perdeu-se.


A velhice traz o domínio da tranqüilidade e da serenidade. A política é sempre um mundo de paixões. Daí ser difícil, aos vividos, perder a cabeça na paixão da política. Talvez não seja tanto nas questões do amor.


Rui Barbosa - e hoje estou citando demais - separa política de politicalha. São diferentes. A política, a arte de gerir o Estado, é definida por princípios morais. "A politicalha é a industria de explorar, nela, interesses pessoais".


Ontem, vimos o quanto é nocivo transferir para a sociedade a luta política. Um dia, os estudantes dizem "sim", outro dia, dizem "não". Como ocorreu na Argentina, mas com um atraso de cinco anos, ouve-se o grito "Fora todos!", "Congresso, Partidos, Deputados, todos!". Na Argentina, também esse era o grito: "­Que se vayan todos!".


Mas, em meio a tudo isso, é necessário manter a serenidade, compreender que tudo passa. Se todos vamos, os que protestam também. É a tal política de multidão, podemos dizer da cólera, antítese da política do bom senso.


Repetir, assim e assado, o provérbio nordestino, por mim tantas vezes citado e que acho muito bom e próprio para muitas horas: "Com grito não se afina rabeca".




Folha de São Paulo (São Paulo) 19/08/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 19/08/2005