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Favas contadas

 

É raro o dia em que, ao abrir minha caixa eletrônica, não encontre, ao lado de esculhambações diversas e merecidas, o pedido de gente aflita, recorrendo ao cronista em busca de uma solução para as coisas que estão acontecendo no Brasil e no mundo.


Gente mal informada, sem dúvida, mas não custa atendê-la. Aprendi no "Grande e Verdadeiro Livro de São Cipriano" uma receita para momentos calamitosos como o atual. Trata-se da Grande Mágica das Favas, acredito que já a mencionei em tempos passados e equivalentes.


Pega-se meia dúzia de favas, verdes ainda, coloca-se num tacho de cobre junto com duas corujas defumadas, uma raiz de salgueiro bravo, cinco dúzias de cantáridas, grãos de incenso indiano à vontade e, como peça de resistência, um corcunda passado num ralador de coco.


O mais difícil é o último ingrediente, convencer um corcunda a ser ralado deve ser problemático, mas há uma vantagem: quanto mais o corcunda berrar, maior será a eficácia da mágica. Outro ingrediente complicado é colocar na mistura um fio da barba de algum personagem envolvido na questão. Neste particular, a oferta é abundante, temos gente barbada demais por aí, dentro e fora dos diversos escalões da República.


Isto posto, derrama-se o conteúdo numa encruzilhada, à meia-noite de uma sexta-feira, e espera-se o resultado. São Cipriano garante que o esconjuro é eficaz. A Grande Mágica das Favas são favas contadas. Tudo se resolve e o que não for resolvido, resolvido está, pois nada mais é possível resolver.


Acho que atingimos este ponto, não de desespero, mas de esperança. Acreditar no maravilhoso é preciso. Pelo menos, é mais confiável do que acreditar nos depoimentos, nas acusações disso e daquilo e, sobretudo, na tradicional promessa de que tudo será apurado, doa a quem doer.




Folha de São Paulo (São Paulo) 14/11/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 14/11/2005