Era só o que faltava!
O Botafogo já tinha conquistado o título da Libertadores, tinha agora a possibilidade de, em uma tarde, se tornar também o campeão brasileiro do mesmo ano, este ano que nós acabamos de viver com uma certa e mesma ansiedade, o ano de 2024.
Se isso fosse possível e se tornasse uma realidade, o Botafogo estaria consagrado como a estrela maior do Brasil e das Américas, prontinho para enfrentar os clássicos inimigos preparados direta ou indiretamente pelo famigerado Guardiola ou pelo revoltante Ancelotti. De qualquer modo, o Botafogo não enfrentaria, pelo menos na primeira fase da Copa Intercontinental da FIFA, o Real Madrid. Mas no meio do caminho tinha a comemoração do título inédito, muitas horas de voo e fuso horário desumano. Só milagre!
Mas o Botafogo foi sempre um herói, e isso fez dele, por exemplo, o único capaz de enfrentar o campeão dos outros ou o “campeão inimigo”, fosse ele de Madri ou de Munique. Ou, quem sabe, um quinto colocado de Londres.
No Brasil, continuamos nossa caminhada, chicote embaixo do braço, só pensando nesse momento que nos chega agora, como glória atrasada e muito bem merecida.
Há muitos anos que o Botafogo morava no meu coração, desde que eu ainda vivia em Maceió e acompanhava por lá o futebol profissional no Brasil. O estado de Alagoas estava dividido entre CSA (Centro Esportivo Alagoano) e CRB (Clube de Regatas Brasil). Não sei explicar o porquê, mas o Cerrebê era uma espécie de clube de elite e, mais estranho ainda, sua torcida jovem era formada por flamenguistas e tricolores que não conseguiam, quase nunca, trocar uma transmissão por rádio nacional de decisivo clássico carioca por um clássico local que decidia o campeonato então em disputa.
Por outro lado, a outra torcida onde eu tinha amigos, alguns até companheiros de peladas na praia e na rua, não era lá muito significativa, não tinha nenhuma representação social ou cultural interessante para um menino ou uma família vinda do sul do país. Também não sei explicar direito, mas não era lá muito chique dar bola para os torcedores do Cessiá (CSA), sobretudo para os mais frustrados, aqueles que mal sabiam o nome do centroavante do time. E o artilheiro, como era natural, no fim do campeonato seria contratado por boa grana por um time do Rio de Janeiro. E assim ia, pelo resto do ano, se esbaldar na praia de Copacabana, entre favelados que tinham perdido o verão e recém-casados do Recife, da Bahia e de São Paulo!
No Rio, só se falava em Brasília e no fim da cidade que fora capital da República durante tantos anos. O Brasil mudava de verdade. Um senhor, bem mais velho que nós, se aproximou e declarou indignado que isso ia acabar logo, logo. E nos convidou para a “Festa de Selma”. Rimos do que dizia, quando devíamos ter pedido mais detalhes. Mas também tínhamos ouvido no rádio notícia de que Fulano, nosso velho amigo, tinha morrido numa cama de hospital, à espera de um atendimento para sua parada cardíaca aparentemente sem classificação de risco. Enquanto decidíamos se teríamos tempo de ir ver Fulano, eis que se esgotou o tempo de ir vê-lo — àquela altura, ele já devia estar era repousando em seu caixão.