Ao iniciar o ano, as pessoas estão cheias de esperança, querendo o melhor para si e para o país. É também o que eu desejo para os leitores e para todos os brasileiros. Contudo, os desejos não substituem os fatos, e estes podem impedir que aqueles se realizem em 2019. Certamente, torço para que o Brasil encontre um rumo melhor. Mas um olhar realista se impõe.
Comecemos olhando para o mundo. Desde o fim da Guerra Fria e, especificamente, desde quando, no início da década de 1970, Henry Kissinger convenceu o então presidente Richard Nixon a visitar a China e a normalizar as relações com aquele país, vivemos um período de relativa tranquilidade no sistema internacional. O entendimento sino-americano visou de início isolar a União Soviética, rival da China no mundo comunista. À medida que aquela declinou, dissolvendo-se em 1991, o mundo assistiu à crescente complementaridade econômica entre a maior potência mundial, os Estados Unidos, e a potência em ascensão, a China.
Com a Pax Americana, coadjuvada pela China, os conflitos se tornaram localizados. A ambição que motivou a formação das Nações Unidas, a de colocar um ponto final nas grandes guerras mundiais, ficou ainda mais próxima da realidade com o colapso do mundo soviético, iniciado com a simbólica queda do muro de Berlim em 1989.
Sob a liderança de Deng Xiaoping, ao final dos anos 1970, os chineses compreenderam que seu país precisaria reformar-se e abrir-se ao mundo para prosperar. De Deng Xiaoping até o atual líder chinês Xi Jinping, todos sustentaram uma política externa orientada para evitar a chamada “armadilha de Tucídides”: a colisão e ao final a guerra entre a potência hegemônica e a emergente. As lideranças chinesas falavam de uma ascensão pacífica e de um “socialismo harmonioso”, juntando o regime de partido único e o estado socialista com a integração financeira e produtiva ao mundo capitalista. A China se abriu às multinacionais que quisessem disputar seu mercado ou exportar, desde que aceitassem as regras do poder. E mais: se tornou a maior detentora de papéis do Tesouro americano.
Há sinais, contudo, que a Pax global começa a ser ameaçada não propriamente pela guerra convencional ou atômica, permanecendo um cenário remoto, mas por uma crescente disputa pela liderança tecnológica, da qual a guerra comercial ora em fase de escaramuças é o aspecto mais visível. A disposição de Trump em desmantelar a ordem liberal vigente visa impedir que a China assuma a dianteira na corrida tecnológica nas áreas de inteligência artificial e computação quântica. Sob Xi Jinping os chineses já não escondem suas ambições na corrida tecnológica; mesmo no campo militar disputam o controle de parte do Pacífico. Mais do que na interferência on-line nos processos políticos dos Estados Unidos e da Europa, como os russos, a China aposta na sua capacidade no terreno tecnológico para o sucesso econômico e bélico. Ainda não conhecemos os desdobramentos dessa disputa, mas parece que a ordem liberal pós-guerra fria está ficando para trás, com riscos para a paz mundial.
O Brasil tem um novo governo. Fala-se muito de que o país, na esteira da onda conservadora no mundo, virou à direita. Será este o sinal enviado pelo eleitorado, que em sua maioria votou por repúdio ao PT, à falta de segurança pública e à podridão política, sem, entretanto, algum conteúdo ideológico definido? Se o novo governo deslizar para a direita, será menos porque o eleitorado assim decidiu e mais porque os vencedores assim pensam. Pensam? Depende: na economia o governo é liberal, nos costumes, reacionário e, quanto à visão do mundo, basicamente anacrônico, a julgar pelo que disseram alguns de seus membros. Dos militares, pouco ou nada se ouviu a respeito. Subscreverão as teses do futuro chanceler? Ou a norma de que sem objetivos e sem preparação, não há guerra a ser ganha?
Para concluir, diante do quadro internacional, quais devem ser os objetivos básicos de um país como o Brasil, grande, populoso, diverso e excêntrico, isto é, distante dos polos do conflito? Acelerar o crescimento da economia, em bases socioambientais sustentáveis, para dar melhores condições de vida ao povo, preservar o acervo de boas relações que o país construiu ao longo do tempo, afirmar (e praticar internamente) valores que nos são caros, a começar pela democracia. Para isso, por que tomar partido diante de um eventual choque de interesses entre a China e os Estados Unidos ou de quem quer que seja? Por que tomar partido nas disputas que dividem os Estados Unidos e a Europa? Melhor será, penso, cuidar de manter nossa influência na América do Sul, região a que pertencemos e, sem entrar em briga graúda, participar mais amplamente dos fluxos globais de comércio, informação, criatividade e desenvolvimento para obter a melhor inserção possível no mundo.
É no mínimo anacrônico pensar que a disputa por poder e influência no sistema internacional se dê entre gladiadores comunistas e capitalistas, cruzados da fé cristã contra cosmopolitas sem fé e sem pátria. A luta real é por mais ciência e tecnologia, para melhorar a qualidade dos empregos e da vida em sociedades que não devem nem podem mais se encerrar sobre si mesmas nem agarrar-se dogmaticamente a identidades étnicas, religiosas, etc. fechadas e excludentes. A ideologia que se insinua é tão distante dos interesses permanentes de um país como o Brasil quanto o foi a que ela pretende substituir.
Por isso espero que o novo governo encontre rumos melhores do que os que, com estridência, apontam alguns de seus membros. À oposição cabe criticar impulsos ideológicos, alertar para os riscos de alinhamentos automáticos e contribuir para que os interesses reais do Brasil e de sua gente prevaleçam na definição e implementação das políticas, externa e interna.