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O canto dos cegos

 

Desde que assumi a presidência do CIEE/Rio, preocupo-me com as atividades dos indivíduos portadores de deficiências físicas. No Brasil, segundo dados do Censo, existem 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual severa, das quais 506 mil são irremediavelmente cegas. Ocorreu-me, então, propor ao professor Carlos Alberto Serpa, presidente da Fundação Cesgranrio, a criação de um organismo, em parceria com o CIEE, para dar vida ao Coral Sidney Marzullo, em homenagem a quem se dedicou, na União dos Cegos, a um longo trabalho voltado para os deficientes visuais.

Com muita alegria — e muito trabalho — foi possível fazer a primeira apresentação do Coral Sidney Marzullo, no Espaço Tom Jobim, situado no Jardim Botânico, sob a regência do maestro Eder Paolozzi, também diretor artístico e regente da Orquestra Sinfônica Cesgranrio, que se apresentou na mesma noite de estreia. De início, foram separadas 20 vagas (das quais foram aproveitadas 15, na sessão inaugural). Era de se ver o entusiasmo da preparadora vocal Luiza Lima, adaptando os métodos tradicionais às necessidades específicas das pessoas com deficiência visual. Estamos oferecendo as letras das músicas em braille, para facilitar o aprendizado das canções sugeridas, as primeiras das quais partiram da nossa iniciativa: “O trenzinho do caipira”, música de Villa-Lobos e letra do poeta recém-falecido Ferreira Gullar, nosso colega da Academia Brasileira de Letras, e “ABC do sertão”, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Logo vai se incorporar ao repertório o clássico “Cidade Maravilhosa”.
 
Deve ser assinalado que a noite de estreia foi um sucesso completo. Estamos providenciando novas letras em braille e uma programação para 2017, a fim de ampliar a experiência desse primeiro grupo e incorporar mais outros elementos ao coral. O ideal é dobrar o número de integrantes.

É importante frisar o compromisso do CIEE com os deficientes físicos. Fizemos um convênio com a Embratel e contratamos um grande número deles para realizar trabalhos efetivos, mesmo reconhecidas as suas limitações. Outra experiência vitoriosa é a realizada com a Unicarioca (Construindo com a Diversidade). Depois de uma palestra efetuada no Instituto Benjamin Constant, Deivison Luiz Dias Barrreto, de 26 anos, é um case de sucesso. Foi contratado pela Unicarioca e hoje ocupa o cargo de operador de telemarketing da instituição. São suas palavras: “Aprendi que, mesmo com a deficiência, é possível crescer e se desenvolver no mercado de trabalho igual a qualquer pessoa. Fazendo parte do projeto, consegui uma vaga no mercado de trabalho, tornei-me mais responsável e independente, além de poder passar para outras pessoas o exemplo de que é possível, basta não desistir.”

É claro que Deivison não é um caso isolado na Unicarioca, pois as oportunidades estão abertas a outros deficientes, desde que movidos pela mesma e inquebrantável força de vontade. Nesse aspecto, vivemos novos tempos.

O Globo, 17/01/2017