Alguns leitores reclamaram do cronista que, não faz muito tempo, contou uma anedota politicamente incorreta -classificação que o próprio cronista fez questão de invocar. Foi também censurado com veemência pelo uso do nobre espaço que ocupa (indevidamente, é claro) para contar uma piada de mau gosto.
Acontece que muito refleti antes de abusar do nobre espaço. Tinha três assuntos de nossa seara política e social para comentar, mas nenhum deles era nobre o bastante para que eu perdesse tempo e nobreza com eles.
Quanto aos valores da ética dominante que não respeitei, tenho motivos para não levá-los a sério. Mesmo assim, privarei os leitores de mais uma anedota, também incorreta politicamente, que tem como personagem principal um papagaio. Invadindo um galinheiro, contraiu Aids com umas galinhas que deram sopa.
A sociedade protetora dos animais protestaria, ONGs variadas reclamariam, embora os papagaios tenham criado um ramal delicioso no acervo nacional de piadas, havendo mesmo um tipo específico de "anedota de papagaio".
Há também outros tipos consagrados de anedota, como anedota de português, de freira, de homossexual, de menino safado e de outros animais além do papagaio.
Por falar nisso, embora não chegue a ser uma anedota, mas sem deixar de ser politicamente incorreto, nem as serpentes escapam. Nas primeiras páginas do Gênesis, que inicia o Livro dos Livros, lá está uma representante da espécie tentando nossos pais no Paraíso. Elas voltam, mais adiante, amaldiçoadas por quem nos redimiu do pecado original. Em momento de sagrada ira, ele se referiu aos fariseus como "raça de víboras".
Bem, de qualquer forma, privarei os leitores da emocionante história sobre o papagaio soropositivo. Além de ofender os papagaios, aves que chegaram a nos dar nome ("Terra Papagallis"), ofenderia também os portadores de uma doença que nos merece respeito, como qualquer outra doença.
Folha de São Paulo (São Paulo) 16/04/2005
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