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O risco de ser capivara

 

Sentei-me no computador na ilusão de tratar das surpresas econômicas que estão sendo anunciadas neste fim de ano: o crescimento inesperado mas bem-vindo do PIB em 5%, os dois milhões de novos empregos e outras conquistas que o leitor está cheio de ouvir.


Mas, como coisa de magia e sinal esotérico, chegou a minha cabeça, invadindo-a como se fosse domínio, esta capivara que saiu da Lagoa, onde residia, para entregar-se aos bombeiros, coisa que no Rio é objeto de desejo de algumas belas mulheres.


Li que um sexólogo logo levantou a teoria de que a capivara, dominada pelos efeitos de uma crise pré-cio, perturbou-se completamente e arriscou-se a descer o canal da Lagoa, chegar ao mar de Ipanema e a treinar para a largada de natação do Forte até a Urca.


Um psicólogo contestou: a capivara estava perturbada por uma crise de estresse, provocada pelas luzes da árvore de Natal da Lagoa e pelo aumento da algazarra dos freqüentadores de bar, na orla da Rodrigo de Freitas.


O fato, qualquer que seja a motivação, é inusitado. Uma capivara na praia do Rio. Não sabia ela os perigos de tal aventura. Sair do seu nicho de capim e correr os perigos da poluição e do arrastão que infestam as praias cariocas.


Capivara é o maior dos roedores existentes na terra. Seu nome vem do tupi kapi-wara, que significa porco d'água ou comedor de capim. Tem uma característica singular, que deve fazer inveja a um grupo de pessoas: durante o seu acasalamento o macho faz quinze coberturas em cinco minutos. A dificuldade é maior porque a natureza escondeu seus órgãos genitais numa prega-bolsa, que os esconde de tal modo que é impossível distinguir macho e fêmea a olho nu. É preciso descobri-los com toques, como fazem os veterinários quando os capturam. Mas a natureza tem seus caprichos e o sexo da capivara de Ipanema foi logo descoberto, não pelos seus órgãos, mas porque os machos têm um calombo na testa, que atritado produz um cheiro afrodisíaco.


Na captura do animal foram consultados a diretora do Zoológico de Niterói, que prescreveu tranqüilizantes, e o comandante dos Corpo de Bombeiros, que escolheu uma rede de puçá para aprisioná-la como se fosse peixe.


Ontem, eis que em Londres, em frente à casa do primeiro-ministro Blair, apareceu uma raposa, com a fleugma inglesa, passeando tranqüilamente. Com o Blair é um sinal claro. Quando as carpas coloridas do fosso do Alvorada morreram, no governo Collor, eu fiquei intrigado. Logo começou o processo de impeachment. Com Blair, esta raposa me parece um recado para as futuras eleições na Grã-Bretanha. Já caiu Aznar e agora, pelos sinais, é a vez de Blair.


Em São Paulo apareceu também uma onça na represa Billings. Estes bichos nas cidades trazem a certeza de que eles não sabem os perigos que existem nas metrópoles. São assaltos, insegurança, crimes, maldades, automóveis, atmosfera irrespirável e partidos políticos!


Nas cidades, só gatos e cachorros, estes porque, como disse o Magri há alguns anos, ''cachorro é humano''.


Ruim, nesta história toda, está o capivaro, que, segundo os jornais, foi abandonado pela capivara e ficou ''solitário, cheio de amor para dar''. A capivara foi solta numa reserva do Ibama e, agora, está sujeita à legislação ambiental.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 17/12/2004

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 17/12/2004