Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Perguntas sem respostas

Perguntas sem respostas

 

Mania extravagante do homem, a de se interrogar desde o início dos tempos, fazendo a si mesmo e aos outros perguntas que ele está careca de saber que não tiveram, não têm nem terão resposta: "Quem sou? De onde vim? Onde estou? Para onde irei?". A única vantagem que este conjunto de perguntas trouxe à humanidade foi a existência de filósofos e seu respectivo mercado de trabalho, embora nenhum deles tenha dado qualquer resposta que prestasse.

Abro exceção para um poeta, não dos maiores, até que um poeta bem menor mesmo, que era historiador de profissão e, nas horas vagas, fazia versos, quase que de brincadeira. Numa esquecida antologia escolar, li o soneto que infelizmente não guardei inteiro, fiquei apenas com o final - que, geralmente, é mais interessante.


Nos versos que antecedem o último terceto, o poeta se indaga exatamente com as perguntas fundamentais da espécie humana: quem sou, de onde vim, onde estou, para onde vou. Após divagar sobre possíveis e problemáticas respostas -"Vim da mônada de Leibniz, perdida no fundo do mar, sou um caniço pensante como queria Pascal, estou num vale de lágrimas, vou para a casa do Pai etc. etc."-, ele acaba descobrindo e se descobrindo diante dos fatos, única verdade que importa:


De onde vim: de casa. Quem sou: funcionário honesto da nação. Onde estou: é claro que estou no bonde. Para onde vou: para a repartição. Pronto! Mais do que isso, só mesmo os filósofos eméritos ou sem méritos da USP e das PUCs se atreveriam a acrescentar qualquer outra resposta. Sair da verdade que entra pela cara é aflição ou pobreza de espírito, como dizem os Livros Sagrados.


Não são apenas os filósofos que se agoniam com perguntas sem respostas ou, o que é pior, com respostas que nem precisam de perguntas. Dilacerados pelas contingências, por aquilo que os entendidos chamam de "cenários" da próxima sucessão presidencial, políticos e profissionais da mídia até se esquecem do bonde onde estão (geralmente o bonde errado), esquecem que vieram da sede do partido ou da Redação.


Esbofam-se na busca de informações, privilegiadas ou não, e todos acabam sabendo o que todos sabem, ou seja, nada. Tudo fica para depois e para as aludidas contingências que são criadas aleatoriamente, sem atender à vontade dos interessados e de seus agregados.


Semana que passou, por exemplo, foi agitada (as última semanas e meses estão naturalmente agitados) com uma declaração do Lula que foi considerada unanimemente, a começar pelo próprio Lula, um lapso de linguagem. Falando pelos cotovelos, como é de seu temperamento e ofício, o presidente deixou escapar que será candidato à reeleição, novidade tão nova que parece anterior às Guerras Púnicas e ao naufrágio do Titanic. Estando longe de ser um filósofo da USP ou das PUCs, ele achou que estava dando sopa demais e logo voltou atrás, dizendo que não pensa na hipótese de ser reeleito, suas energias estão concentradas em carregar o Brasil para a frente, entregar ao sucessor um país saneado, transparente, justo socialmente e feliz existencialmente.


As duas declarações -a de que seria candidato à reeleição e a de que não seria-, além de antigas, são óbvias, freqüentam diariamente a mídia, o Congresso. É que nem a cabeça do Juquinha da anedota, que só pensava em sacanagem. Não estou insinuando que sucessão presidencial seja uma sacanagem, mas que parece, parece.


O mais interessante é que a turba imensa leva a sério a sacanagem, a começar pelos interessados. Aliás, há um pacto assombroso entre políticos, profissionais da mídia e assemelhados. Impressionante a expectativa do óbvio, como a que se deu em relação à briga entre dois ministros, um ministro e uma ministra para ser exato. O que foi dito por ambos já fora dito de diversas maneiras, não era segredo para ninguém. Proclamada a divergência dentro do governo, o óbvio passou para a esfera do presidente, sua voz decidiria a partida, quem ganharia e quem perderia. Como sempre, ele firmou e negou ao mesmo tempo, dando razão aos dois.


Evidente que era isso o que se podia e devia esperar. Não dá para entender como os próceres (a palavra parece que veio do futebol, mas se aplica igualmente à política) do Congresso e dos partidos ficaram e ficam assanhados, esperando que venham lá de cima declarações definitivas, demolidoras, irretratáveis. "Fulano vai dizer isso, fulano vai negar aquilo."


Outro dia, um amigo, jornalista bem informado, puxou-me para o lado e soprou-me em voz baixa, como se detonasse uma conspiração que demolisse as instituições e o mundo ou me comunicasse que iam assassinar o papa: "O senador Fulano me telefonou às duas horas da manhã, disse que, depois de Palocci, a vez é do Lula!".


O colega tremia de emoção e responsabilidade. Naquela mesma hora, outros senadores e deputados estariam dando notícias iguais ou equivalentes aos profissionais bem informados. E todos acreditavam no que estavam dizendo e ouvindo.




Folha de São Paulo (São Paulo) 25/11/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 25/11/2005