Outro dia, comentei que gastava duas horas, em média, para ler os jornais e revistas que, por necessidade profissional, sou obrigado a enfrentar. Nos últimos meses, não chego a gastar meia hora: todos se repetem com as mesmas manchetes, as mesmas frases destacadas, os mesmos mentidos e desmentidos. Na quinta-feira passada, contei exatas 53 matérias em quatro jornais que começaram assim: "Palocci diz que...".
Não quero, e mesmo que quisesse não poderia, negar a importância do depoimento do ministro da Fazenda no Senado. Mas vamos e venhamos: nada de novo foi dito, a obviedade marcou os dois lados, as perguntas e as respostas. E a mídia ficou na mesma obviedade.
Na parte dos comentários, repetiu-se a redundância. Nota-se uma briga de foice para informar o que já está informado. Variam as fontes, sempre naquela base: "Dois participantes do jantar informaram que...". Com a variante: "Fonte bem informada garante que...".
A monotonia, irmã siamesa da redundância, fatiga o leitor e, nem sei por que diabo, não fatiga os profissionais que estão cobrindo a sucessão de escândalos. A desculpa é a obrigação de informar "a sociedade", sociedade heterogênea, que se entope com as miudezas das fofocas, das especulações, dos prognósticos.
Uma pergunta que é comum por aí: "A mídia está cumprindo a sua função social?". Tal como a sociedade, que é heterogênea por natureza, a "função social" é também parcial e seletiva de acordo com cada grupo posicionado no tabuleiro, acusando-se mutuamente de não cumprir sua função social, o dever de bem informar os leitores etc.
Repercussão lembra a anedota do bode e do porco. O bode, que faz um barulho desgraçado quando transa com a cabra, reclama do porco, que chega a dormir enquanto faz o mesmo com a porca. À redundância de um, a contenção do outro. O porco se explica: "É que nós estamos constituindo família". Em vez de barulho, a mídia deveria pensar em constituir família.
Folha de São Paulo (São Paulo) 19/11/2005
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