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Responsabilidade fiscal e sex shop

 

Um avanço extraordinário para a moralização da administração pública foi a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Trouxe uma transformação institucional vigorosa para extinguir a irresponsabilidade de gestores públicos que não dão bola a qualquer controle.


A primeira dessas diretrizes é a de que ninguém pode gastar mais do que arrecada. A lei regula os atos em todos os níveis da administração, desde o presidente até o prefeito, visa à transparência e à obrigação legal de colocar à disposição da sociedade todas as informações sobre como se aplica o dinheiro do povo arrecadado em impostos. Dizem alguns que essa lei foi uma imposição do Fundo Monetário Internacional, o popular FMI. Qualquer que tenha sido a inspiração, é muito boa.


Vejamos o que ocorreu com os prefeitos que tomaram posse em 1º de janeiro. A gritaria foi geral. Os prefeitos que deixavam levavam tudo. Um caso, para chamar Cervantes para assunto tão quotidiano, foi exemplar: o acontecido na Prefeitura de Magé, no Estado do Rio de Janeiro. A nova prefeita, Núbia Cozzolino (PMDB), querendo receber tudo o que era do município, entrou com uma ação criminal contra sua antecessora -também mulher- para apurar o sumiço de dois pênis de borracha e uma pelve feminina. É inqualificável o procedimento de surrupiar pênis do patrimônio da prefeitura, violando as normas da moralidade pública e ferindo a lei de responsabilidade. A prefeita Núbia chegou à descoberta desse procedimento quando encontrou notas fiscais da empresa Semina Produtos Educativos, que vendera os singulares instrumentos para programas de educação sexual. Objetos dessa natureza, destinados à mais alta finalidade, uma vez desaparecidos, poderiam ser utilizados com outros objetivos menos claros que não o de educar. A procuradora de Magé, doutora Marcele, declarou aos jornais que vai solicitar à diretoria de patrimônio do município a relação dos bens desaparecidos. A primeira parte da investigação concentrou-se em saber se realmente a firma vendera somente dois pênis ou se foram mais. A averiguação constatou que realmente o estoque para Magé fora modesto, apenas dois. Mas, para o ano de 2004, o Rio comprara 110 pênis, considerando que a população do Rio era menos instruída nessa área e necessitava de um esforço educativo sexual mais dinâmico, talvez pela proximidade do Carnaval.


O inquérito aberto contra a ex-prefeita de Magé inclui ainda a recuperação de uma geladeira e de um ar-condicionado. Esses bens, corria na cidade, eram necessários às aulas, gerando uma especulação secundária e investigação para saber por que geladeiras e ar-condicionado estavam ligados aos pênis desaparecidos.


A Lei de Responsabilidade Fiscal abriu espaços para um melhor controle social dos gastos, podendo o povo exigir e fiscalizar, até mesmo em audiências públicas.


Magé está cumprindo a lei. O que preocupa é que, se eles não forem encontrados, uma nova concorrência será aberta, convidando as sex shops, que poderão cobrar mais caro, dependendo das especificações do edital, pois são produtos com grande variedade. Cumpre a lei, mas a suspeita mais forte é de que os pênis estejam escondidos na geladeira roubada.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 28/01/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 28/01/2005